sábado, 14 de novembro de 2009

Rápida e fulminante

Em 10.12.2007, publiquei postagem sobre um caso ocorrido em Minas Gerais, no qual um indivíduo foi condenado a mais de 136 anos de prisão, após um processo que durou apenas 122 dias.
A postagem já rendera um interessante comentário de Wilson Barros, sustentando que o advogado deve fazer tudo para defender os interesses de seu constituinte, opinião que compreendo, claro, mas da qual discordo sob certos aspectos, notadamente porque não me parece ético, mesmo sob o ponto de vista dos deveres profissionais do advogado, intentar manobras inúteis ou procrastinatórias, sob o argumento de que o réu merece defesa. Merece, sim, mas não a que implique em falsear, enganar, atrasar inutilmente. Compreendo, contudo, que neste ponto me aproximo do cidadão comum e me afasto dos colegas advogados, que provavelmente veriam com maus olhos minhas opiniões.
Ontem, recebi um comentário anônimo, de alguém que se diz advogado do réu no processo em apreço. Eis o texto:

O meu cliente André Luiz Rodrigues dos Santos foi condenado a 136 anos, 08 meses e 15 dias no regime fechado.
Apelei da sentença exorbitante e o TJMG reduzia para 17 anos, 29 dias, reconhecendo a continuidade delitiva entre todos os crimes praticados contra todas as vítimas, mas não satisfeito com a redução o MP recorreu da decisão do tribunal por meio de Recurso Especial alegando que a regra seria o concurso material de crimes. Fez-se justiça!

Peço desculpas aos leigos, para os quais esta discussão soará obscura, mas crime continuado e concurso material são termos técnicos do Direito Penal, que influenciam a aplicação da pena. Não dispondo de informações sobre o caso específico, não posso emitir opiniões sobre qual duas duas hipóteses é a correta, mas posso dizer, muito genericamente, que a tese do advogado é plausível. A depender de como se deram os fatos, a redução da pena espetacular pode ter sido a decisão mais correta.
Decidi fazer esta postagem porque, sendo a original antiga, ninguém tomaria conhecimento do que se passou na caixa de comentários. Devido à falta de dados, acessei o sítio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e lá confirmei a existência de um recurso de apelação, tendo como recorrente o nome informado pelo advogado e originário do Município correto (Malacacheta). Com efeito, esse processo se encontra em grau de recurso para o STJ. Até aqui, as informações conferem.
Tentei então obter o acórdão, para conhecer melhor os fatos e a tese jurídica. A despeito dos meus esforços, isso não foi possível. Ignoro se o acórdão ainda não foi disponibilizado no sistema do tribunal ou se há outra explicação. Por isso, se o advogado quiser, agradeceria a gentileza de me enviar um documento eletrônico com o acórdão, que permitiria um interessante estudo de caso, ainda mais porque ministrei aula sobre o tema concurso de crimes há poucos dias, para uma de minhas turmas.

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

E um certo estelionatário, Yúdice (você sabe), não pega pena nenhuma há mais de cinco anos porque demoram tanto para citá-lo ou interrogá-lo que, quando há uma sentença (pena in concreto), a prescrição da pretensão punitiva ou executória já lhe premiou. Resultado: impunidade, um incentivo ao crime.

Fui ter com o delegado designado pelo Delegado Geral de Polícia do Pará (fiz Pedido de Instauração de Inquérito) para saber do andamento do caso e recebi a resposta de que o meliante "já tinha muitos precedimentos contra ele" (coitadinho), e que ainda não conseguiu achar as vítimas (só cinco) que lhe apresentei para depoimento. Repito: apresentei e foram tomados os depoimentos, todas vítimas interessadas na liquidação no cível de uma provável sentença condenatória, o que lhes daria maior rapidez na pretensa reparação dos danos.
Desculpe-me os termos, mas o vagabundo fugiu, está curtindo alguma bela praia do ensolarado nordeste brasileiro, em uma casa de gente fina, sem o menor constrangimento em mostrar isso em site de relacionamento. Ou seja, mostra que está gastando o dinheiro de suas vítimas e tripudia do direito. Sorrindo!!!
Meu caro, a prática é algo bem diferente das salas de aula.
Muitos jovens advogados como eu se sentem frustrados quando chegam na hora do "vamos ver". Nossa sociedade colonial é a sociedade do QI(Quem Indica), e joãos-ninguém como eu não merecem a proteção do direito. A velha história do cargo/função pública como patrimônio de quem o ocupa. E é essa falta de credibilidade que faz com que o cidadão dê de ombros ao referir-se ao Estado Democrático de Direito ("que empulhação é essa?", diria).
Pior ainda fica quando há juizes que fazem bobagens como essa da postagem. Já conheci um que aplicou a revelia mesmo tendo o reú comparecido a todas as audiências acompanhado de advogado; tomaram-lhe o depoimento, produziu provas etc. etc.
Triste

Anônimo disse...

"Gzuis", ouvir vcs, advogados, revoltados como eu sempre fico, me deixa descrente. Se vcs, que teoricamente, pelo menos para mim, são a Lei e não podem fazer nada, o que será de nós, pobres e simples mortais, analfabetos qdo o assunto é "Lei"?????
Estou indignada com a história relada pelo Frederico.
Ana Miranda

Yúdice Andrade disse...

Meu amigo, se alguém fosse escrever um livro sobre o folclore do sistema de justiça criminal paraense, o teu personagem teria lugar garantido na obra. O caso é tão peculiar e escandaloso que merece um capítulo específico.

Nós não somos a lei, Ana. Somos gente que sofre duas vezes por causa do sistema: uma porque sofremos o descumprimento dela, como qualquer cidadão; outra, porque precisamos superar tais dificuldades para fins profissionais, somos cobrados por nossos constituintes e o escambau.
Quem nos dera...