sábado, 21 de novembro de 2009

Direito de recusar transfusão de sangue

Com boa dose de surpresa, tomo conhecimento de decisão judicial (proferida pelo juiz Marco Antônio Castelo Branco, da 2ª Vara de Fazenda Pública de Belém) reconhecendo a uma paciente testemunha de Jeová o direito de recusar tratamento médico, consistente em transfusão de sangue. Em sua decisão, o magistrado afirmou que "o direito à vida deve ser entendido como direito à vida digna e este direito é uma lei fundamental positivada em nosso ordenamento. Uma das mais importantes leis da humanidade é a autodeterminação do ser humano".
Fiquei surpreso porque o discurso do direito à vida como bem jurídico inalienável e irrenunciável é por demais arraigado em nossa tradição jurídica, que o acolhe e reproduz de modo inflexível, sem pensar em suas implicações. Tem a ver com isso uma das questões mais tormentosas da Bioética, o chamado letting die.
Sem querer ser desrespeitoso com qualquer orientação religiosa, pessoalmente penso que nosso mundo não se coaduna mais com religiões restritivas da liberdade humana. Não à toa, professo uma o Espiritismo que se baseia no senso de responsabilidade individual e na consciência de que toda ação, boa ou má, tem consequências a lei de causa e efeito. Doutrinas orientais também são bastante simpáticas por pensamento semelhante, vendo a virtude como uma escolha do indivíduo e não como uma imposição de Deus, de homens ou de teorias.
Daí resulta que sou veementemente contra pessoas que, por convicções religiosas próprias, impõem negativas de tratamento ou sacrifícios a seus filhos, p. ex. Eles têm o poder diretivo sobre a educação das crianças e só. Mas justamente porque isso é uma questão de liberdade, se a decisão da pessoa incide sobre si mesmo, tão somente, então ela deve ser respeitada.
Enfim, acho que sofrer e até mesmo morrer devem ser reconhecidas como direitos inalienáveis da pessoa, desde que limitadas a ela própria.
Os testemunhas de Jeová se recusam a receber transfusões de sangue pela interpretação que fazem de certas passagens bíblicas, notadamente Gênesis, 9: 3-4; Levítico, 17: 10; e Atos, 15: 19-21. É uma questão de escolha. Por isso, dou meus parabéns, entusiasmados, ao juiz Marco Antônio. Embora eu suspeite que sua decisão não vá durar muito tempo. O discurso da vida como bem supremo chega a ser irracional.

PS Há uma análise interessante sobre o tema neste artigo.

5 comentários:

Vladimir Koenig disse...

Yúdice,
também gostei da decisão e de seus fundamentos. Nesse caso, trata-se de pessoa adulta, fazendo uso de sua autodeterminação, que deve ser plenamente respeitada.
Só me preocupa quando seguidores dessa religião proíbem que seus filhos (que não podem decidir por si) se submetam a tratamentos como a transfusão de sangue. Nesses casos, sou plenamente favorável a intervenção do Estado determinando a realização do tratamento, pois os pais extrapolam os limites do poder falimiar (que não significa direito absoluto sobre a vida e a morte dos filhos; muito pelo contrário, tratando-se de dever de bem educar, cuidar e garantir o desenvolvimento saudável).
Abraços,
Vlad.
P.S.: Quase nunca escrevo, mas leio todo dia os posts! hehehehe

Anônimo disse...

Eu sou ateia. Mas concordo contigo qdo dizes(vou falar igual vcs aí do Pará porque acho liiiiiiiiindo a maneira como vcs conjugam os verbos)que toda ação, seja boa ou má, tem consequências.
Ana Miranda

Yúdice Andrade disse...

Pois escreva, Vlad. Sempre é muito bom ler os seus comentários. No mais, estamos de pleno acordo.

A vantagem da religião que professo é que o teu ateismo não nos porá em confronto.

Lafayette disse...

Yúdice, torço que um dia todos saquem que o adulto que faz tal escolha, não teve escolha quando criança.

Infelismente, a "livre escolha" adulta já está com o vício de consentimento.

No mais, só lamento.

o tempora o mores.

Anônimo disse...

TALVEZ UM DIA ENTENDAM QUE A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA QUE CERTAMENTE ENGLOBA SUA LIBERDADE, INCLUSIVE DE DISPOR SUA VIDA, É MAIS IMPORTANTE QUE A PRÓPRIA VIDA.

Isso nos traz a outro tema bastante discutido, a eutanásia.

Abraçõs!!!