Entrou na sala aquele senhor de aparência absolutamente pacata, educado aos extremos, com uma voz suave que jamais elevava, e me contou o seu drama. Foi a primeira vez que vi como crimes contra a honra podem afetar a alma de uma pessoa de bem. Relatava-me o consulente que, à noite, não dormia, amargurado com os ataques injustos.
O semblante sereno, em foto de Rogério Uchoa (Diário do Pará) |
Se hoje me permito esta inconfidência sobre interesse de terceiros, é porque o ofensor de Klautau reconheceu, em audiência, na presença do juiz, que o sociólogo era inocente e que o ofendera por conta de uma vindita pessoal. Admitiu a falta e as motivações espúrias. Estava resgatada — embora infelizmente apenas entre as quatro paredes judiciárias — a honra de Klautau.
Tornamo-nos amigos, embora daquele jeito que apenas nos consideramos amigos de alguém que admiramos, pois pouco nos vimos. Ele me deu alguns de seus livros e me levou, juntamente com meu irmão, à Ilha de Tatuoca, ali em frente a Icoaraci, onde existe um laboratório para medição do campo gravitacional da Terra, vinculado à UFPA. Você não sabia disso, sabia? Mas eu estive lá. Um passeio muitíssimo interessante.
Anos depois, estando a trabalho em Caratateua, fui à casa de Klautau e observei a bela vista de que ele desfrutava. Infelizmente, ele não se encontrava e perdi a oportunidade de abraçá-lo. Nunca mais o vi. Hoje, informa-me o amigo e blogueiro Fernando Sampaio que Klautau faleceu. Ficamos nos devendo mais um almoço com bastante peixe.
Lamento que não voltarei a escutar as ideias luminosas daquele homem que, tendo idade para ser meu pai, escandalizava-me ao me chamar de "senhor" e que, diante de meus apelos para me chamar de "tu", primeiro justificou o seu "respeito" e depois disse que o faria apenas se eu o tratasse da mesma forma. E eu, educado num tempo em que as crianças eram ensinadas a respeitar os mais velhos, não conseguia de modo algum chamá-lo com tamanha informalidade. E ficamos assim, os dois senhores, eu beneficiado, porque Klautau era daquele que nos ensinava sobre a vida simplesmente existindo.
Vai em paz, meu amigo. Meus sinceros sentimentos à família.
PS — No blog O Mocorongo você encontra um texto muito expressivo sobre a pessoa de Mariano Klautau.
5 comentários:
Esse é um dos meu maiores medos, Yúdice: Não ter estado com alguém com quem eu gostaria de ter estado, e perder a oportunidade...
Não creio que possamos nos livrar desse sentimento, Ana. Até quando conseguimos conviver um pouco com o objeto da nossa afeição.
Que texto bonito Yúdice. Meu pai era assim mesmo. Obrigado por trazer esta estória à tona. As saudades são imensas.
Caro Rodolfo, leve aos seus irmãos e a d. Dula o meu abraço respeitoso. Paz para vocês.
Desfrutei de sua amizade, quando de sua estada em Cubatão, trabalhando na Petrobrás. Comungávamos, então (ele, com MUITO mais enfase...), dos mesmos princípios ideológicos.Que descanse em paz!!!
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