terça-feira, 9 de novembro de 2010

Quem vai ganhar com isso?

A profícua parceria Disney/Pixar produziu um filme que, à primeira vista, não tem o mesmo apelo dos demais, porém que cativa quando você se permite prestar atenção. Refiro-me a Carros (Cars, dir. John Lasseter e Joe Ranft, EUA, 2006), que nos oferece uma premissa algo irônica. Segundo o roteiro, o protagonista — o carro de corrida Relâmpago McQueen — acaba por acidente numa pequena cidade no meio do deserto, chamada Radiator Springs, onde é preso por destruir a estrada. Aos poucos, é construída a relação de amizade entre McQueen e os poucos habitantes da cidadezinha, quando então somos informados que, no passado, aquela fora uma região economicamente pujante, graças à famosa Rota 66. Contudo, após a construção da rodovia Interestadual 40, as pessoas (na verdade, os carros) deixaram de trafegar pela sinuosa e charmosa Rota 66, preferindo a autoestrada, uma insípida e imensa reta. Aí vem a ironia: as cidades ao longo da estrada antiga mergulharam em um trágico declínio, tudo para que os cidadãos pudessem economizar... dez minutos de viagem!
O filme nos leva a refletir sobre as mazelas e as falsas promessas do desenvolvimento. O discurso focado no progresso, sempre falacioso, omite que, na verdade, a obra destruiu muitas vidas, que somente puderam ser resgatadas quando McQueen, num gesto heroico típico das tramas vendidas pela Disney, chamou a atenção de todos para Radiator Springs, resgatando o glamour da Rota 66, desta vez como um roteiro turístico.
Fica na cabeça, contudo, o absurdo de que tudo isso ocorreu em nome de uma economia de tempo de irrisórios dez minutos. Ficção hollywoodiana, certo? Nem tanto. O Brasil está prestes a ver iniciar-se a construção de uma nova pista e de um túnel de cinco quilômetros de extensão na Estrada de Petrópolis. A intenção é reduzir o tempo de viagem entre a antiga cidade imperial e a capital do Rio de Janeiro em... vinte minutos.
Já tive o prazer de viajar por essa estrada e sei que não há nenhuma Radiator Springs para degenerar-se com a obra projetada. Na verdade, o trecho de estrada a ser construído é tão pequeno — 20 quilômetros — que não se correria o risco de prejuízos sociais (suponho). A questão é que, sob a desculpa da Copa do Mundo de 2014 (que agora é desculpa para tudo), a insignificante economia de tempo custará a bagatela de 670 milhões de reais.

Simulação por computador da
estrada duplicada
 Provavelmente para reduzir críticas, destaca-se na notícia que os custos da obra serão suportados pela empresa concessionária, ou seja, a iniciativa privada construirá e explorará o empreendimento depois, através de pedágio. Mas quem você acha que tirará esse dinheiro do próprio bolso? Ninguém, claro. Note a informação: o valor "pode ser parcialmente financiado com recursos do BNDES". Ou seja, quem se meter na empreitada vai contar com o dinheiro da Viúva para construir e depois explorar. Obviamente.
Sempre soubemos que a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil, muito longe do ufanismo abobalhado do governo e da grande imprensa, foram muito festejados por empresários, de olho na grana-grana-grana que vai rolar.
É bom ficar de olho nos projetos mirabolantes ou de utilidade duvidosa que podem surgir. Afinal, este país ficou célebre por suas obras que, embora superfaturadas, levavam inclusive do nada para lugar nenhum.

2 comentários:

André Carim disse...

Amigo Yúdice:
Concordo com teus comentários, sobretudo quando denuncias o espúrio aporte de recursos do BNDES para financiar a obra, de iniciativa privada (com cobrança de pedágio), aos moldes da recente operação de socorro ao Banco Panamericano, do homem do Baú. Quanto ao imperativo da obra, tomo a liberdade de lembrar que a charmosa Rio-Petrópolis (BR-040) inicia em Brasília e termina no Rio, passando por Belo Horizonte, Juiz de Fora e diversas outras cidades importantes de Goiás e Minas, suportando enorme tráfego dos veículos de carga que abastecem de quase tudo as cidades das regiões centro-oeste, nordeste e norte, especialmente Belém, conectada a Brasília pela BR-010. Lembro ainda das ocasiões em que fui ao Rio de carro, de maneira especial a última delas em que, voltando para Belém com a família, subi bem cedo a serra, fugindo dos congestionamentos, sendo surpreendido por denso nevoeiro em que nada se enxergava adiante e era temerário parar no minúsculo acostamento da tortuosa rodovia, escavada na rocha das montanhas na base da pá e da picareta, nos idos da década de 20. Viva o túnel! Já era tempo...

Yúdice Andrade disse...

Nada como uma informação bem fundamentada, André. Agradeço.
Com efeito, não faço críticas à obra em si, mas aos seus custos espetaculares, sobretudo comparando com o tamanho do proveito.