quarta-feira, 4 de março de 2009

Construindo a notícia

Você reparou? Desde o último final de semana, a grande imprensa começou a contabilizar o número de homicídios na região metropolitana de Belém. Primeiro, informou que ocorrem em média três homicídios por dia. Agora, noticiou que houve seis em apenas 24 horas. E o arremate é o título da matéria: "Terror na Grande Belém"!
Quem estuda Criminologia fica obrigado a enfrentar o papel que a mídia exerce na divulgação da situação criminal de uma sociedade. Isto porque, no Brasil, esse papel é sempre de exploração do mundo cão, com uma linguagem pesada, sombria e dramática, destinada a infundir medo na população, de modo mais ou menos consciente. É o caso de se perguntar: por que a mídia tem tanta necessidade de manter a população assustada?
Os simplórios  aqueles que não refletem sobre o mundo em que vivem e apenas engolem o que os outros lhe enfiam na cabecinha  dirão que a violência é uma realidade, que a imprensa apenas noticia, que esses crimes de fato ocorreram e, no final, que esses teóricos são todos uns idiotas. Passam recibo, eu diria. Porque a exploração irresponsável da imprensa em geral sobre o tema segurança pública é um fato. E tão arraigado que já me pergunto se os jornalistas, hoje, escrevem suas matérias desse jeito ridículo conscientes dos objetivos inconfessos da mídia, ou se já assimilaram essa sub-cultura a ponto de pensar que não pode ser de outro jeito.
A manchete poderia ser esta: "Violência: seis homicídios em 24 horas na Grande Belém". Objetiva. "Violência" é o tema e sua confirmação vem pelos números e pela territorialização. Ponto. Mas o uso da palavra "terror" e de outras, congêneres, mostra que o mancheteiro quer mesmo é causar impacto. Compare: eu posso chegar e dizer algo como "Fulano, teu pai está bem, mas ele sofreu um acidente agora há pouco." Ou posso dizer: "Fulano, te prepara, que eu tenho uma notícia ruim para te dar. Teu pai sofreu um acidente!" No primeiro caso, a preocupação é tranquilizar, antes mesmo de informar o fato principal. No segundo, a intenção, sádica, é provocar a emoção violenta, para depois dizer que o acidentado está bem. Tire suas conclusões sobre quem age de uma ou de outra forma.
Quanto ao argumento mais importante, devo lhes dizer que, ao contar os cadáveres diários, a imprensa dá a entender que o número de homicídios aumentou e que por isso estamos todos em perigo. Na verdade, o número de homicídios em Belém sempre foi alto. Faça uma consulta nas reportagens de dez anos atrás, ou mais, e encontrará sempre mais de um homicídio divulgado no caderno policial, todo dia. Como hoje. Também se pode constatar isso na rotina do foro criminal: os homicídios respondem por uma quantidade expressiva das ações penais em trâmite e isso não é nenhuma novidade.
Belém tem uma característica: mata-se demais por bobagem. O sujeito bebe, briga e mata. Essa é a nossa rotina. Ou então se mata por conflitos familiares ou econômicos. Esse é o perfil dos nossos assassinatos. E sempre foi assim. O que mudou significativamente nos últimos anos foi a violência dos assaltantes, mas aí o crime é de roubo ou latrocínio, não homicídio. Quanto a este, não houve grandes alterações na conjuntura. Por que a imprensa quer descobrir a roda, então?
Pare e pense. Pode ser que o número de homicídios na região metropolitana de Belém tenha aumentado nos últimos anos. Mas a população disparou, não é verdade? O fato está aí para ser combatido, obviamente. Mas com responsabilidade.

3 comentários:

Anônimo disse...

Esperar responsabilidade desses jornalecos medíocres?

HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA!!!


O mais preocupante é a banalização de algo ruim e o total desprezo às coisas boas. A sensação que a imprensa causa é que estamos mergulhados em uma desgraceira completa, no que apenas os alienados acreditam.
Coisas boas, grandes feitos, exemplos virtuosos, estão aí para quem tiver olhos pra enxergar.
A imprensa-vampiro vira a cara e torce o nariz quando vê algo de bom.

Yúdice, repare na quantidade de vezes em que os jornais (especialmente o Diário do Pará) utilizam a palavra "CAOS" em suas manchetes. Acho que o editor tem um orgasmo toda vez que escreve essa palavra.

Felipe Xavier

Anônimo disse...

Os jornais de hoje estão um autêntico circo dos horrores. De novo!

Yúdice Andrade disse...

Felipe, vou contar a quantidade de "caos", relacionando aos temas das matérias. Sem dúvida, um ótimo sintoma.

Estou sem tempo para conferir, das 10h53. Mas aposto que amanhã estará do mesmo jeito.