Recolhido que me encontro a um prédio fechado, há algumas horas, não ouso supor como as coisas estão lá fora neste instante. No habitual, este ainda é um momento de trânsito difícil nos pontos de maior estrangulamento da cidade, como o Entroncamento. Mas hoje foi um dia de chuva, desabamento de mangueiras e, consequentemente, muitos alagamentos, veículos na contramão para fugir deles, manobras perigosas e, seja como for, muito engarrafamento. Meia hora para vencer quatro quarteirões não é brincadeira.
Nada de novo — muito pelo contrário, é estressante voltar a tratar disso —, esse é um reflexo de uma cidade desgovernada. Um reflexo cotidiano e pragmático, mas absolutamente contundente, de como as más escolhas podem gerar consequências drásticas. Lastimo que o cidadão comum, contudo, não esteja apto sequer a fazer uma relação entre a nossa realidade e as últimas eleições.
É curioso observar, porém, que esse mesmo eleitor comum não coloca a culpa de seus transtornos na chuva, em São Pedro ou em fatalidades. Ele reclama dos políticos. Sabe que, fosse outra a postura dos poderes públicos, poderíamos viver algo melhor. Mas mesmo diante dessa percepção empírica, ele não chega a nenhuma conclusão lógica sobre como votar. Não vê nenhuma relação entre vender seu voto por uma camiseta, 20 reais, um asfalto na porta ou mesmo promessas vãs pode render, num futuro próximo, tanta agonia — para ele mesmo, seus vizinhos, para toda a cidade.
É isso que mais me angustia: ver que o nosso eleitor médio se insere naquela classificação de analfabeto funcional, que lhe impede de compreender o real significado dos fatos e suas implicações. O indivíduo vive o problema, mas não tira disso a menor conclusão. Como é possível?
Infelizmente, é possível. E é o que ocorre o tempo inteiro.
Não coloco esse fenômeno — generalizado pelo país afora — na conta de burrice ou mesmo ingenuidade. Tributo mais à necessidade. Quando uma pessoa tem necessidades elementares a suprir, fica difícil que raciocine sobre outras coisas, mesmo que algo óbvias. Por isso mesmo, a classe política que aí está continua dependente da ignorância, da fome, do medo. Porque sem esses ingredientes, conquistar o voto se torna mais difícil. E se assim é, não podemos esperar que os governos melhorem, ou que a CPI da saúde não seja arquivada por malandragens, ou mesmo que outros poderes deixem de cumprir com suas obrigações constitucionais. O panorana que se apresenta é por demais sombrio.
Mais nebuloso e destrutivo do que qualquer tempestade.
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