Há alguns dias, li uma ótima resenha sobre o seriado Lost, que encontrará o seu destino, qualquer que ele seja, depois de amanhã — domingo, dia 23 — nos televisores dos Estados Unidos. A resenha falava sobre como os fãs da série se tornaram reféns dela, tornando-se-lhes impossível deixar de assistir, não importa o que aconteça. Ou seja, continuamos a assistir, mesmo eventualmente não gostando.
A sexta e última temporada foi frustrante para mim. Contudo, a esta altura, já não posso desistir do chamamento que a trama me faz. E faço isso na expectativa de que, ao menos no último capítulo, invada-me a sensação de graça, de glória, de que o provavelmente mais instigante (não escrevi "melhor"; escrevi "instigante", no sentido da capacidade de mexer com as emoções de fãs e adversários, além de provocar acalorados debates) seriado já produzido foi, de fato, tudo o que se esperava dele.
Definitivamente, o grande segredo de Lost não é o que eu esperava. Talvez essa fosse a maior aposta dos criadores da série. Com efeito, qualquer um poderia gostar ou não da verdade, quando ela surgisse. Pena para mim estar, neste momento, no grupo dos que desaprovaram.
Apaixonado por ciência e questões comportamentais, as duas primeiras temporadas do seriado me ofereceram muito para que eu me deixasse seduzir. Cheguei a acreditar em algumas das incontáveis especulações feitas à época.
Na teoria que me pareceu mais sedutora, os números malditos seriam elementos de uma "equação do fim do mundo", criada por um matemático que, com base nela, sopesando elementos como população e consumo dos recursos naturais, previra a data em que a humanidade entraria em colapso. Na tentativa de salvar a espécie humana, um megaprojeto científico, a Iniciativa Dharma, teria fincado bases na ilha para desenvolver uma série de linhas de pesquisa ligadas à sustentabilidade. Pesquisava-se, p. ex., a adaptação de espécies animais a habitats diferentes dos originais (lembra-se do urso polar morto por Sawyer? e dos tubarões com a logo da Dharma na pele?).
A ID seria, também, um esforço para se alcançar a autossuficiência na produção de alimentos. Por isso, absolutamente tudo que se consumia na ilha, inclusive cerveja, era produzido pela própria ID, exceto os chocolates Apollo.
E havia, também, os experimentos comportamentais, que eu acreditei serem pesquisas para adaptar os seres humanos às novas condições de vida no planeta. Por isso o botão que precisava ser apertado a cada 108 minutos, a existência de uma estação de onde se monitorava, por TV, o que acontecia nas demais estações, e as cartas que as cobaias escreviam para suas famílias, mas que nunca eram enviadas para lugar algum.
A luta para salvar a humanidade da destruição! Isso seria lindo. Mas, no final, Lost não era nada disso. "Os outros", que tanto medo causaram nas duas primeiras temporadas, revelaram-se como personagens de somenos importância. Aliás, a Iniciativa Dharma também não tinha importância. Tudo aquilo aconteceu não se sabe por quê. Talvez tenha sido apenas um inocente compartilhamento de espaço físico. Porque no final das contas os protagonistas, as vítimas do voo Oceanic 815, não foram atraídas para a ilha para tomar parte, voluntariamente ou não, dessas misteriosas experiências, à semelhança do que aconteceu com a adorável Juliet, médica especializada em fertilidade humana, recrutada por Richard Alpert e que acabou à mercê de Benjamin Linus, que supúnhamos um poderoso vilão, mas que acabou como um homem desesperado, cheio de culpa, joguete nas mãos de todo mundo e com a cara mais socada do que os personagens de filmecos de porrada.
E mesmo o tema das viagens no tempo, que dominou a quinta temporada e que prometia tanto, simplesmente não disse a que veio. Nem dirá, pelo visto.
E por que o voo Oceanic 815 caiu na ilha, então?
Aviso de spoiler!
Não prossiga a leitura se não assistiu ao penúltimo episódio da série.
No final das contas, abdicando de todas as questões científicas ou pseudocientíficas que faziam dele um entretenimento inteligente, Lost foi reduzido a uma clássica e singela batalha entre o bem e o mal, personificados num messiânico Jacob e em seu irmão, uma espécie de Satanás, porque sua saída da ilha implicaria no fim do mundo (pelo menos o fim do mundo voltou) e porque, em sua luta por ir embora, submete diversas pessoas a tentações, prometendo inclusive a ressurreição dos mortos (como prometeu a Sayid Jarrah).
Nesta temporada final, as respostas pelas quais tanto ansiávamos, foram sendo soltas a contagotas. Algumas já haviam sido dadas no ano passado, mas tudo muito secundário.
Soubemos que os números malditos, no fundo, não significavam nada. Eram apenas os números a que estavam associados os nomes dos candidatos a substitutos de Jacob. Que coisa mais besta...
Soubemos quem era Jacob, sua função na ilha e o que ele está protegendo: uma caverna cheia de luz — uma luz que todo ser humano carregaria consigo e que, por cobiça, sempre quer mais. Por isso, somente os protetores conseguem enxergar a tal caverna. Por isso ela precisa ser defendida, a todo custo, do inimigo. Um inimigo que já esteve dentro dela e, por esse motivo, foi condenado a uma espécie de danação eterna, transformando-se no monstro de fumaça.
E é isso. Jacob atraiu um monte de gente para a ilha, provocando a morte de quase todos, direta ou indiretamente, para no final das contas testar uma meia dúzia de "candidatos" e oferecer-lhes uma escolha. A opção que ele mesmo não teve, de se tornar o guardião. Agora ele pode sumir de vez, porque morto já está, enquanto seu substituto tenta achar um meio de matar o inimigo, para acabar de vez com o perigo.
Lost é isso. Decepcionante.
Abaixo, algumas imagens dos episódios 15 e 16 da sexta temporada, onde alguns mistérios foram revelados:
O misterioso Richard Alpert, que foi humanizado neste fase final e se tornou um dos personagens mais bonitos da trama, é atacado (ele era imortal, mas talvez isso significasse não morrer naturalmente nem poder matar a si mesmo) pelo monstro de fumaça. Se morresse, esse homicídio nos levaria para onde?
Um catatônico Benjamin Linus mata o seu arquirrival, Charles Widmore. Não havia entre eles uma ordem de não agressão, à semelhança da que havia entre Jacob e seu irmão sem nome?
Tratado como o protagonista desde o primeiro momento, no final os roteiristas optaram pelo previsível e fizeram Jack aceitar a missão de substituir Jacob. O "pastor", que passou de homem de ciência para homem de fé, aceita o que ele mesmo acha ser seu destino.
A iniciação mística é acompanhada a certa distância pelo três últimos remanescentes vivos da queda do voo Oceanic 815: Sawyer, Kate e Hurley.
O suposto representante do Bem, Jacob, ataca o suposto representante do Mal, seu irmão de nome ignorado, em vingança ao assassinato da mãe adotiva, em frente à caverna de luz, coração da ilha, a razão de ser de tudo.
Sinceramente, não sei mais o que esperar. Sobre a trama, nada mais espero. Tenho apenas um sentimento, o de esperança de que, no capítulo final, duplo, os roteiristas tirem da manga aquela surpresa que me deixará sem fôlego e profundamente grato pela experiência que me proporcionaram.
Independentemente do que acontecer, valeu a pena. Lost, sem dúvida, não é entretenimento para todos.
4 comentários:
Eh...eh...eh...
Meu filho foi entrevistar o escritor Joca Terron e ele pediu que o horário da entrevista não coincidisse com o horário de "Lost".
Quando li a matéria, juro que lembrei de você, Yúdice.
E eu nunca assisti a nenhum episódio de "Lost". Nenhunzinho.
Você investe tanto tempo num programa... O mínimo que pode fazer é valorizar o útlimo capítulo. Compreendo perfeitamente o escritor.
Yúdice,
Deixei para ler este post depois de ter assistido ao capítulo 16, ontem. Resisti à tentação de piratear o último episódio para poder saboreá-lo amanhã, quando passará na AXN.
No entanto, quando iniciei a leitura do teu texto, foi-me dando um dissabor, uma decepção... e no final, surpreendeste-me com a afirmação de que Lost valeu a pena.
Fiquei meio desesperançado com tuas observações. Acho que não queria que a ficha caísse, não queria reconhecer que este final está sendo decepcionante. Mas espero pela revelação surpreendente do capítulo final, que, ainda creio, virá.
Por favor, se já assististe ao último episódio, não me diz nada - nem que minha decepção se confirmará, nem que o final é grandioso, como todos esperamos. Não quero ter spoilers sequer de emoções...
Abração.
Credo, Francisco, não quis de modo algum estragar o prazer de ninguém. Minhas impressões eram estritamente pessoais, tanto que nem Polyana comunga delas. Mas se acabaste por concordar comigo, penso que isso me dá um fundo de verdade.
Podes ficar tranquilo: não terei chance de ver o episódio final antes de amanhã e, mesmo que o visse, nada escreveria a respeito. A dificuldade está sendo driblar a Internet, que já está cheia de resenhas a respeito do final.
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