domingo, 9 de dezembro de 2007

Antes tarde...

O Ministério Público descobriu que o sistema penitenciário é desumano.

Não coloquei esta na sessão "Notícias que vão mudar o mundo" porque pretendo tratar do assunto com respeito. De saída, deixo claro que tenho acompanhado com bons olhos a atuação da Promotora de Justiça de Direitos Humanos, Elaine Castelo Branco — daí frisar que meus comentários são de fato sérios.

De saída, ponderemos que a instituição Ministério Público é permanente, mas os promotores de justiça que a compõem mudam, além de que volta e meia estão em funções diferentes. Assim, antes que alguém pergunte por que somente agora uma promotora resolveu levar o sistema penal a sério, digo que o correto seria perguntar porque nada foi feito antes de a promotora Elaine assumir a função que ora ocupa.

Carlos Drummond de Andrade escreveu que "a hora mais bela surge da mais triste". Obviamente, o poeta não pensou em uma menina presa e sucessivamente estuprada numa cela de delegacia, ao escrever esse verso, mas o fato é que o inominável episódio de Abaetetuba teve esse efeito prático: obrigar as autoridades a sair de sua deprimente inércia.

Todo mundo sabe que preso não vota e, por isso, os políticos não querem saber do sistema penal. Nem quando estão em campanha, muito menos após eleitos. Mas isso explica (sem justificar, claro) a inércia do Executivo e do Legislativo. Nada explicará, jamais, a plácida indiferença com que o Judiciário e o Ministério Público sempre encararam (ou nem isso) o problema. E não falo apenas do Pará, mas do país inteiro. Também não falo apenas dos poderes estaduais, porque a Justiça Federal, quando condena, manda seus presos para os mesmos presídios estaduais (já que até bem recentemente nem sequer existiam presídios federais e estas não se destinam a criminosos comuns).

Por conseguinte, também o Ministério Público Federal deveria ao menos ter lançado os seus olhos sobre o inferno, em vez de ignorá-lo, já que oficialmente as competências são estaduais.

Enfim, está todo mundo errado. Todos pecaram por omissão. Digam o que disserem, não há perdão.
É por isso que, cobrados e humilhados, agora, alvo da opinião pública internacional, espero que finalmente essa gente se mexa. Afinal, não podem ignorar o que todo mundo sabe. Aliás, foi por excesso de ignorância que todo esse drama começou.

3 comentários:

Anônimo disse...

"O Ministério Público descobriu que o sistema penitenciário é desumano."

As vezes fico pensando como uma pessoa pode acusar, julgar, condenar alguém a ingressar num sistema o qual desconhece.

E se tem conhecimento da crueldade, não seria o Estado tão maligno e criminoso ao fazer o mesmo que tão repudia?

A crueldade fora das penitênciárias é, dentre outros fatores, o reflexo da desumanidade dentro de muitos sistemas penitenciários.


Eu pago muito caro por "defender bandido", afinal como disseste, nem cidadãos são considerados. Mal sabem que o meu interesse é muito além de "defender bandidos".

Abraços Primo!!!

Frederico Guerreiro disse...

Não se deve culpar o governo atual pela falência do sistema carcerário. Nhá Júlia é impotente para resolver o problema, que é, por si só, "irresolvível". Isso tudo advém de um modelo econômico incompaltível com ritmo do desenvolvimento econômico de nossa região (e por que não do país); da força do fabuloso polo atrivo populacional urbano em contraponto às capacidades administrativas de corresponder a essas demandas.
Advém, também, das políticas públicas adotadas ainda durante os governos militares. Taí a conseqüência. O imediatismo populista cobra os juros da política social. Qualquer promessa é mentira. E mentira é sinal de falta de caráter, o que só serve para angariar votos no paradigma da democracia só de voto. Nhá Júlia não peca pela atuação. Peca falta de senso de realidade socio-econômica. Se tiver um pouco de autoridade e inteligência em não se render ao famigerado PMDB, colocará as pessoas certas nos lugares certos e colherá os frutos que não devem ser apenas políticos, mas, acima de tudo, sociais.
Não quero aqui justificar a "inocência" de um governo que prometeu o que não pode cumprir. Mas o que está fazendo agora é dar munição política aos adversários, também interessados apenas no poder.
Deixar que a propaganda eleitoral faça uso disso para distorcer os fatos e azeitar os lucros partidários não passa de continuísmo. Lula é o emblemático exemplo disso.
É preciso lutar para mudar a cultura patrimonialista renitente dos tempos de colônia. É preciso afastar essa cultura de que o cargo público está a serviço de quem o ocupa. É preciso punir com rigor. As autoridades responsáveis pelo caso da menor escudam-se na falta de fiscalização e no clientelismo político.
Falta empenho. Falta qualificação. Falta reciclar o servidor público para que entenda que o cargo não é um benefício seu e de seus laços políticos. Falta firmar a idéia da democracia de que o cargo público deve estar a serviço da população. O jurisdiconado, seja da classe que for, deve ser o beneficiado pelo ordenamento jurídico, sem preconceitos. O exemplo disso é o que eu estou passando nos Juizados Especiais, nas mãos de diretores de secretarias que se acham juízes, e que o cargo é um patrimônio a serviço dos caprichos pessoais. O direito é o deles (mal preparados não o conhecem). Caso contrário, o jurisdicionado, amargará a desalentadora espera pela resolução do conflito. Alguém já deve ter ouvido falar no "ele é filho do fulano de tal, é apadrinhahdo do deputado tal". Enxergue o que isso significa e saberá que caminho tomar, o que falta.
Essa gente só se mexerá no dia que sentirem o dissabor de depender do Estado, estando do outro lado do "balcão de negócios". Enquanto isso, o Judiciário, o Executivo e o Legislaltivo sou "eu".

Yúdice Andrade disse...

Com o tempo, Jean, encontrarás o tom certo para defender os teus ideais. E suspeito que, com o tempo e a experiência, inclusive esses ideais serão revistos. Isso é natural e salutar.

Fred, ratifico tuas palavras. Em grande medida, boa parte dos problemas brasileiros são fruto de uma abusiva egolatria.