Em 1999, o lavador de carros Getúlio Wilson de Santana foi contratado para vender churrasquinhos em uma festa de São João. No final da festa, o dono da barraca se negou a lhe pagar o valor combinado, alegando que ele havia se alimentado com o produto. Achando o desconto injusto, o lavador de carros resolveu levar nove cadeiras plásticas para complementar o pagamento.
Preso enquanto carregava as cadeiras plásticas para casa, Getúlio foi solto rapidamente, firmando o compromisso da liberdade provisória. Ocorre que o lavador de carros não sabe ler, não possuía assistência jurídica e é portador de transtorno mental. Assim, não entendeu que, apesar de solto, ainda existia um processo contra ele.
Denunciado em 2001 por furto simples, foi expedido mandado de citação para que Getúlio comparecesse e ouvisse proposta de suspensão do processo. Como não foi encontrado pelo oficial de justiça no endereço que forneceu quando foi preso, ele foi considerado fugitivo e foi determinada a sua prisão.O que a Justiça não sabia é que Getúlio nunca se mudou. Mora até hoje na mesma casa que sempre morou com seus irmãos. A confusão ocorreu porque, algum tempo após a prisão, a Prefeitura resolveu mudar os números das casas da rua, fato que foi suficiente para que o oficial de justiça não mais encontrasse o acusado.
Preso novamente em agosto, agora soropositivo, o lavador de carros estava com seu tratamento interrompido há quase 30 dias, já que a autoridade policial dizia que não tinha como lhe conseguir o seu coquetel de medicamentos.
Neste ínterim, a Defensoria Pública do Rio Grande do Norte, criada em 2003, deu posse a 19 defensores públicos, evento prestigiado por Fernando Calmon, Presidente da ANADEP. Coube a um desses novos defensores públicos, Manuel Sabino Pontes, requerer a revogação da preventiva de Getúlio, pedido concedido em sua primeira semana de trabalho.
Apesar de ter a liberdade assegurada, o cumprimento do alvará de soltura ainda encontraria dificuldades. É que a Polícia encontrou outro mandado de prisão para o lavador de carros, mantendo-o preso. Mas como é possível que existam dois mandados de prisão se só existe um processo contra Getúlio?
Na época dos fatos, o Inquérito Policial referente ao caso foi distribuído para a 7ª Vara Criminal de Natal, no Fórum Seabra Fagundes, sendo que o processo correspondente recebeu o número 2640/99. Foi este juízo que expediu o primeiro mandado de prisão contra o acusado, quando ele não foi encontrado para ser citado.
Com a construção do Fórum Varella Barca e a informatização do Judiciário, o processo foi redistribuído para a 4ª Vara Criminal da Zona Norte e recebeu novo número (001.99.009160-1). O novo juízo expediu novo mandado de prisão, renovando os esforços para encontrar o acusado.
O mandado de prisão que confundiu a Polícia foi aquele expedido em 1999, pelo mesmo fato. Percebendo o erro, a Coordenadora da central de mandados, Áurea Mamare Magalhães, tratou de designar imediatamente um oficial de justiça para cumprir o alvará de soltura. Apesar dos esforços da servidora, Getúlio não foi solto a tempo de comparecer a um exame que o seu irmão teve muitas dificuldades para conseguir.
Não se sabe ainda as conseqüências destes fatos para a sua saúde, porém, pelo menos agora, com a posse dos novos defensores, Getúlio possui assistência jurídica para lhe explicar o que está acontecendo e para lutar por seus interesses. Infelizmente, duas dezenas de defensores são insuficientes para as centenas de milhares de Getúlios que existem no Rio Grande do Norte.
Demonstrando compreensão do problema, a Governadora do Estado, na cerimônia de posse, prometeu rapidamente aumentar os quadros da Defensoria. Os Getúlios aguardam ansiosos.
Matéria publicada em 17 de setembro de 2008, no Jornal JH Primeira Edição.
Postagem surrupiada do Blog do Professor Manuel.
Um bom exemplo de como o Estado é o nosso maior inimigo. Quando não faz o seu papel, gera sofrimentos e danos, por vezes irreversíveis, sobre as pessoas cujo bem estar é a sua razão de ser.
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