domingo, 14 de dezembro de 2008

Violência

O assunto na cidade, a julgar pelas matérias jornalísticas, continua sendo o mesmo desde que o cardiologista Salvador Nahmias foi morto em tentativa de assalto, há dois dias. É isso que se pode chamar, sem sombra de dúvida, de crime que provoca comoção e clamor social, expressões recorrentes no foro criminal, sobretudo nas discussões sobre fazer ou não o acusado responder preso ao processo.
Nestas horas, as metralhadoras começam a mirar os culpados e o Estado é o primeiro da lista, não sem razão. Contudo, questiono-me sobre o que a sociedade pode fazer independentemente do Estado.
Em São Paulo, um projeto de lei estadual (ou municipal, confesso não ter certeza) que pretendia proibir o uso de celulares em agências bancárias, foi rejeitado por tecnicalidades. A decisão não agradou segmentos preocupados em impedir, justamente, o famigerado "golpe da saidinha", famosíssimo, mas que não para de fazer vítimas, já que o cidadão não tem, concretamente, como se proteger.
Não seria o caso de a sociedade se mobilizar e cobrar das próprias instituições bancárias que adotem medidas nesse sentido? Um banco não tem interesse em leis que exijam tempo máximo de espera ou instalação de itens de conforto, porque isso interfere em seus lucros. Mas que prejuízos teria pela não utilização de celulares? A meu ver, nenhum. Logo, penso que seria bom para a imagem da instituição se ela instituísse uma campanha espontânea de proteção de seus usuários, proibindo o uso de celulares nas agências, oferecendo como alternativa a quem precisasse telefonar fazê-lo na presença de um funcionário ou segurança e em local reservado, de onde não pudesse avistar o salão de atendimento (dificultando, assim, mensagens em código).
A perda da privacidade seria pouco em relação ao ganho de alguma segurança, ainda que pequena. Eu não me importaria nada em ter que agir dessa forma.
Uma segunda medida — esta sim implicaria em ônus para os bancos — seria modificar fisicamente as suas agências, instalando p.ex. divisórias isolando os guichês dos caixas. Assim, quem estivesse no salão não veria o que faz o indivíduo que está no caixa e quem estivesse em um não veria o que faz o sujeito do lado. Virar as cadeiras de costas para os guichês, de modo que o usuário em espera devesse acompanhar sua chamada pelo número da senha, também poderia ser útil.
Devido às alternativas tecnológicas que temos hoje, ir ao caixa significa, basicamente, pagar contas e fazer saques. Tais medidas ajudariam a que os criminosos não soubessem quem sacou dinheiro suficiente que valesse o assalto.
Outrossim, também considero essencial abordar toda e qualquer pessoa que se demore no interior da agência sem um motivo aparente, que leve uma infinidade de tempo para preencher um envelope e durante esse processo olhe demais para o público nos caixas ou que saia e volte mais de uma vez. Tais pessoas deveriam ser chamadas a conversar bem debaixo de uma câmera, onde seu rosto fosse esquadrinhado e, quem sabe, ajudasse numa investigação posterior.
O último passo já foi sugerido por mim, mas infelizmente depende da polícia: abordar qualquer motociclista que se encontre nas imediações de agências bancárias, principalmente se em dupla e se as cabeças estiverem enfiadas nos capacetes (que os motociclistas em geral detestam usar, quando não estão assaltando). Abordar e revistar. Assaltantes geralmente andam sem nenhum documento de identificação, por razões óbvias. Motociclista não identificado deve ser levado à delegacia, mesmo que não porte arma ou nenhum objeto suspeito. A lei o permite.
E se as autoridades de trânsito quiserem colaborar, tolerência zero com as motocicletas sem placas ou com as mesmas bloqueadas.
Penso que não sugeri nada mirabolante, caro ou difícil. É agir. Mas se continuarmos a não fazer nada, o que nos resta é contabilizar os mortos.

3 comentários:

caio disse...

Salvador era meu vizinho. Morava no vigésimo andar do meu prédio. Saquei dinheiro na mesma área, dois dias antes... não dá pra se dizer concretamente qual é a minha sensação. É um misto de estranheza, de susto, de tristeza, de medo... horrível.

Vi o seu post sobre a bala em seu pneu. Curiosamente, o meu também foi furado nessa semana, mas pelo mal (nem tão mal, relativamente...) e velho prego mesmo. Que bom que o senhor e a sua família não chegaram (nem saíram) na hora errada!

abraço, professor

Anônimo disse...

O grande problema é que vivemos numa sociedade de valores invertidos. O ter é mais valorizado do que o ser. E a TV contribui de forma decisiva para a triste cultura de banalização da violência em que todos estamos mergulhados.

Exagero?

Ligue na novela "A Favorita" e assista com um olhar mais crítico, que você vai descobrir que estou com a razão. Muitos podem argumentar que é apenas uma novela, obra de ficção e que apenas as pessoas de "mente fraca" se deixam influenciar por cenas assim. Mas acredito que todos nós, em maior ou menor grau, acabamos sim sendo influenciados pelas cenas de violência, grosseria, agressividade e crimes que assistimos nas telenovelas.

Eu posso desligar o televisor na hora da novela, orientar meu filho e assistir apenas às programações educativas. Ainda assim, posso ser vítima, na rua, de um desequilibrado que teve a sua loucura potencializada por cenas violentas exibidas na TV.

Aí é que está o problema.

É por essa razão que, muito mais do que simplesmente desligar o televisor (cômodo, não?) a sociedade deve se unir, se mobilizar, no sentido de exigir o fim de toda essa baixaria na televisão.

Ninguém precisa de todo esse lixo que banaliza a violência. Ninguém precisa e ninguém merece!

Adelino Neto

Yúdice Andrade disse...

De fato, Caio, a proximidade com a situação sempre nos provoca um sentimento estranho e ruim. Compreendo a tua situação. E desejo que não precisemos tornar a nos deparar com fatos assim.

Caro Adelino, sempre recebo com alguma reserva comentários como o teu, pois penso que a TV não pode escamotear a realidade. Nenhum meio de comunicação pode fazê-lo. Ao contrário, devem sim mostrar a perversidade humana. A questão é como fazê-lo e, acima de tudo, como lidamos com isso - o que já extrapola os poderes da mídia.
Discutir o conteúdo da TV aberta é uma tarefa que tem sido negligenciada no país. Contudo, eu me pergunto: responsabilidade dos veículos de comunicação passa por romancear esse conteúdo? Como equilibrar a linguagem que usam com as necessidades sociais?
Não é uma questão simples, com certeza. Podemos conversar mais sobre isto.