Em sessão de sua Comissão de Constituição e Justiça realizada ontem, o Senado aprovou em caráter terminativo (ou seja, a proposição não precisa ser submetida ao plenário) o projeto de lei do senador Aloízio Mercadante que proíbe os motoristas com até um ano de habilitação (ou seja, os que possuem apenas a permissão para dirigir) de conduzir em rodoviais e estradas, exceto nos trechos urbanos. A fundamentação da proposta revisita as estatísticas de guerra do trânsito brasileiro.
Com todo o respeito que tenho por Mercadante, considero a proposição estúpida, como em geral o são as ideias baseadas na lógica dos-fins-justificam-os-meios. Naturalmente, precisamos dar um basta na violência no trânsito, mas isso exige, dentre outros: 1) seriedade nos cursos de formação de condutores e não o oba-oba que é hoje em dia; 2) combate à corrupção que infesta todos os setores dos departamentos de trânsito e atividades correlatas; 3) estímulo ao senso de responsabilidade do cidadão, desde o ensino primário; 4) combate ao consumo de bebidas alcoólicas, abstraindo o lobby das cervejarias; 5) atuação honesta e educativa dos agentes de trânsito.
A proposição de Mercadante é inconstitucional, por violar o princípio da isonomia. Na medida em que uma pessoa foi habilitada (ainda que provisoriamente, sob a condição de não cometer infração grave ou gravíssima no período da permissão), não se justifica que possa transitar por algumas vias e outras não. Se habilitado está o condutor, impedi-lo de trafegar por certos locais me parece até cerceamento do direito de ir e vir.
Pior: a proposição é inútil. Sua premissa é de que, após dirigir um ano em áreas urbanas, o motorista teria mais prática e estaria mais apto a enfrentar as estradas. Tolice. A uma, porque o tempo de habilitação nada assegura quanto à aptidão do indivíduo para dirigir. A duas, porque muita gente se habilita e, por não ter carro próprio, não dirige durante o tempo de permissão, ganhando a habilitação definitiva sem cometer infração porque, justamente, não dirigiu. A três, porque dirigir na cidade é diferente de fazê-lo em estradas (p. ex., velocidade máxima permitida, traçado da malha viária, população às margens da vida, procedimentos de parada na via e de conversão que exija cruzar a faixa da contramão, dentre outros), de modo que um motorista viciado na cidade pode até ficar mais inapto para enfrentar a estrada. A quatro, porque o número de acidentes nas cidades é extraordinário e não será afetado pela medida.
Lembre-se, ainda, que seria uma restrição a mais para fiscalizar, gerando infrações que só poderiam ser constatadas mediante a abordagem do condutor e conferência de seus documentos. Se já faltam agentes de Polícia Rodoviária para as atribuições atuais, imagine com a novidade. É mais perda de tempo (desviando os esforços policiais de questões mais relevantes) e oportunidade para corrupção.
Ou seja, além de não trazer benefícios, a proposta atrapalha.
2 comentários:
Amado mestre, sucedâneo de Rui barbosa no conhecimento do nosso direito intertemporal. Realmente tens razão quando dizes que a norma proposta pelo parlamentar não trará grande benefício a nosso já combalido trânsito.Melhor seria a criação de escolas de transito voltadas realmente a formar um motorista preparado para as adversidades de nossas ruas, e a criação de entidades de trânsito que não tenham como objetivo principal assaltar os bolsos dos motoristas.
O Justiceiro (HEROÍ DO SERTÃO)
Acredito que a proposta não será aprovada. Caso seja, podemos esperar uma ação judicial. Tudo isso poderia ser economizado se as pessoas pensassem em medidas eficazes, em vez de enérgicas.
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