quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

O pedófilo

Esta postagem é uma continuação da que publiquei em meu outro blog. Clique aqui para ler a primeira parte.

A questão é: um homem de boas condições financeiras e influência político-social seria realmente punido, na realidade do nosso país e particularmente do nosso Estado, por cometer crimes de abuso sexual contra menores?
Muita gente já está apostando que não. Eu acredito que sim.
Um dos maiores nomes do Direito Penal da atualidade, o argentino Eugenio Raúl Zaffaroni, em sua excepcional obra Direito Penal brasileiro (obra coletiva em que são co-autores Alejandro Alagia, Alejandro Slokar e o brasileiro Nilo Batista, publicado pela Editora Revan), leciona que existe uma seletividade inerente ao Direito Penal, que muito em síntese funciona assim:

1. As normas penais são elaboradas, obviamente, por pessoas que exercem o poder decisório (no caso brasileiro, deputados federais e senadores, completando-se o complexo processo legislativo com a manifestação do presidente da República, que exerce a prerrogativa de sanção ou veto).

2. Apesar do discurso reinante de que todos são iguais perante a lei e de que os titulares de mandatos políticos representam o povo, na verdade eles representam interesses classistas, os próprios e os de grupos que lhes permitiram a eleição ou que lhes dão sustentação. Por isso, quando elaboram leis, sua intenção é reproduzir as desigualdades sociais e uma das mais eficientes formas de fazer isso é usar a lei penal para atingir parcelas pré-determinadas da sociedade.

3. O fato de que a esmagadora maioria dos criminosos no Brasil — e no mundo, pode-se afirmar — é composta por indivíduos pobres, negros (ou membros de outros segmentos étnicos marginalizados) e de educação incipiente não é uma simples injunção do pouco espaço social que os mesmos possuem, e sim, também, uma consequência do fato de que a lei penal foi feita para acertar essas pessoas, desviando a atenção da macrocriminalidade, de nível político e econômico, com impactos geralmente muito maiores sobre a Nação.

4. Some-se a isso o fato de que o cidadão comum se escandaliza com a criminalidade violenta — homicídios, latrocínios, roubos, sequestros, estupros, narcotráfico, etc. —, mas tende a não dar a mesma atenção aos delitos higiênicos (chamo assim aos não sangrentos), tais como a corrupção, o peculato, a improbidade administrativa, o contrabando, a evasão de divisas, a gestão fraudulenta de instituições financeiras, a sonegação tributária, etc. Alguns destes delitos estão muito além da capacidade de compreensão do vulgo (que diabos significa "aplicar fórmula de reajustamento de preços ou de indexação de contrato proibida, ou diversa daquela que for legalmente estabelecida, ou fixada por autoridade competente" — art. 6º, II, da Lei n. 8.137, de 1990?). E outras contam a terrível permissividade do brasileiro, que provavelmente faria a mesma coisa, se pudesse.

5. Daí decorre que o sistema de justiça criminal pune as condutas mais escandalosas, porque mais violentas e por isso mais visíveis e incômodas, que são cometidas na quase totalidade dos casos por pessoas desfavorecidas. Um pé-rapado rouba; um sujeito mais sofisticado pode se dar ao luxo de cometer estelionato. Um que tenha melhores posses pode incorrer em operações comerciais ilegais ou ruinosas, sem jamais pôr a mão num revólver. Um tarado pobre que moleste a própria filha pode ser preso e, se escapar do linchamento, será justiçado pelos policiais ou colegas de cela. Já um tarado rico, que cometa o mesmo ato, poderá ter seus crimes abafados pela própria família e receber tratamento de pessoa "perturbada", que pode voltar ao normal se tiver adequado acompanhamento psiquiátrico (exemplo de Paulo Queiroz, em seu Direito Penal: Parte Geral, agora da Editora Lumen Juris).

6. Assim punindo os autores de condutas extravagantes, o sistema de justiça criminal não pune a macrocriminalidade de cunho econômico. Aliás, não pune pessoas que, quaisquer que sejam os seus delitos, pertençam às classes favorecidas. Contudo, eventualmente, pode acontecer de um desses privilegiados extrapolar, perpetrando um delito mais comumente relacionado às classes desfavorecidas (como um estupro), ou um delito econômico tão extraordinário que será impossível minimizar o ocorrido (como o desvio de verbas para a construção do fórum trabalhista de São Paulo, por Nicolau dos Santos Neto). Nesta hipótese, o sistema o alcançará, para cumprir uma função ilusória de confirmar o discurso de que ninguém está acima da lei, de que ele funciona e é igualmente duro com todos os criminosos. É a velha técnica de dar os aneis para conservar os dedos.

7. Mesmo nestes casos, contudo, o sistema costuma ser terrivelmente leniente com os criminosos, o que explica as penas baixas, o direito de responder em liberdade, a prescrição, a rapidez com que se obtém liberdade condicional, etc. Foi assim com os matadores do índio pataxó; ou com o jornalista Pimenta Neves, com Paulo Maluf e Celso Pitta (que estão soltos, mesmo tendo sido condenados), para citar uns poucos casos conhecidos. Não será assim com Suzane von Richthofen, que perdeu as costas largas da fortuna ou com os assassinos do menino João Hélio.

8. Finalmente, o nosso deputado. Se ele agisse no comezinho mundo das safadezas políticas, tráfico de influências, nepotismo, improbidade, crimes eleitorais, provavelmente acabaria impune, como acontece na quase totalidade dos casos, salvo raríssimas exceções. Contudo, segundo consta, ele se deixou levar por seus institutos primitivos e animalescos, incorrendo em conduta repugnante a qualquer pessoa, o que o torna candidato a servir de bode expiatório do sistema. Isto não significa que ele será punido, caso seja mesmo culpado. Apenas que estará passível dessa punição, num sistema tendencioso e falho como o nosso. Mas se a punição estará à altura de seus atos, já é outra história.

6 comentários:

Anônimo disse...

Primo,

Perfeita leitura do nosso atual Sistema Penal.

Tive a oportunidade de ler a obra [i] Em busca das penas perdidas[/i] de "Tio Zaffa" o qual ele destrincha a real função do sistema penal.

Belo post.

Abraços Primo!!!

Anônimo disse...

Yudice, está clara a interferência do Tapioqueiro Senador na história, posto que tem muita influência nas ações do Juvenil... A posrtura de Juvenil em querendo restringir o espaço de ação da CPI para o Marajó soa como coorporativismo aos ouvidos da população.
Espero que a OAB, Sociedade de Direito Humanos e as Entidades de Proteção ao Menor não deixem a Casa virar um Forno de Pizza.

Yúdice Andrade disse...

Jean, depois do teu comentário, acessei a Internet e comprei o livro. Ele me fora citado ontem, por um ex-aluno. É tanta gente falando nele recentemente que resolvi suprir a lacuna. Será uma das leituras das férias.

Anônimo, aquele ambiente já é naturalmente propício a pizzas. Se não quisermos ver o forno esquentando, teremos que cobrar das autoridades as respostas enérgicas de que tanto se fala no universo da segurança pública. Sem pressão, qualquer absurdo cai no esquecimento.

Anônimo disse...

Yudice,
O Deputado Salame do PPS acaba de declarar o nome do deputado envolvido no caso da investigação de pedofilia... http://www.quintaemenda.blogspot.com/ Verifique e vamos colocar isso na mídia...
Oswaldo Chaves
Administrador
Analista Judiciário

Anônimo disse...

Yudice, um peixe se pega pela boca...

10/05/2006 - Araceli alerta para exploração sexual em Portel



Em 10 de maio de 2006
A presidente da Comissão de Direitos Humanos na Assembléia Legislativa, deputada Araceli Lemos (PSOL), anunciou na sessão ordinária desta quarta-feira, 10, que foi convidada a acompanhar o grupo que estará amanhã (11) no município de Portel, na Ilha do Marajó, para apurar as denúncias de existência de uma rede de exploração sexual de crianças e adolescentes, que envolveria políticos e empresários da região.
O grupo é formado por representantes da Comissão Nacional de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Secretaria Nacional de Direitos Humanos e Ministério Público Federal. A denúncia de exploração sexual infanto-juvenil em Portel foi feita pela TV Record, em matéria veiculada na última segunda-feira, dia 08.
Antes disso, matéria do jornal O Liberal de 28 de abril passado denunciou o caso envolvendo o vereador de Portel, Roberto Alan de Souza Costa, o Bob Terra, acusado de ter estuprado uma menina de 13 anos de idade, no dia 5 de abril deste ano. O crime teria acontecido na casa de um outro vereador, Adson de Azevedo Mesquita.
A denúncia consta em relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, que pediu o imediato afastamento do vereador e abertura de processo de cassação contra ele. Bob Terra, sobre o qual pesa outras acusações de abuso sexual contra menores, está foragido do município. Antes disso, Bob Terra teria oferecido, por duas vezes, R$ 25 mil para a família da adolescente abafar o crime. O vereador já foi pronunciado pelo juiz Roberto Valois, da Comarca de Portel.
Foi o bispo Dom Luiz Ascona, da Ilha do Marajó, quem levou a denúncia à Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que no dia 14 de abril enviou a Portel um assessor, Amarildo Formentini, para elaborar um relatório minucioso sobre o caso. Nos cinco dias em que ficou no município, Formentini ouviu testemunhas e coletou provas.
Da tribuna da Alepa, Araceli Lemos alertou para a gravidade das denúncias sobre a exploração sexual de crianças e adolescentes, que assola não apenas Portel, mas municípios como Altamira e outros daquela região, com o envolvimento de políticos locais.
A parlamentar explicou que a ação conjunta da Câmara dos Deputados, Governo Federal, MPF e Assembléia Legislativa tem o propósito de buscar soluções para os problemas existentes em Portel. Araceli anunciou que fará um relatório sobre a situação no município, para que a Casa se manifeste sobre o caso.
Na avaliação de Araceli Lemos, a pobreza e a falta de perspectiva de vida podem ser alguns dos fatores que empurram crianças e adolescentes para a prostituição. E, no caso de Portel, a parlamentar lamentou “o descaso” das autoridades locais ao problema. “Não é possível que uma denúncia em nível nacional choque apenas o Governo Federal. Lamentavelmente, nós não vimos nenhuma manifestação das nossas autoridades estaduais, quando isso é um problema do Estado do Pará”, disse ela.
Araceli Lemos alertou que o problema exige atenção “muito especial” diante do crescimento da rede de exploração de crianças e adolescentes no Pará. “Essa situação só existe por causa da situação socioeconômica da maioria das famílias, sobretudo na região do Marajó. E aí chegam os oportunistas e exploram as nossas crianças”, desabafou a deputada, que disse ter ficado também “indignada” com o comportamento da polícia, na matéria jornalística (veiculada pela TV Record), ao ignorar o aliciamento de menores no município. “Queremos punir os culpados envolvidos nesta rede”.
Deputado Sefer defende vereador
O deputado Luiz Afonso Sefer, líder do PFL na Assembléia Legislativa, usou hoje (10) a tribuna da Casa, para defender a inocência do vereador Bob Terra, mas não sem enfatizar que é a favor de qualquer investigação que apure as denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes. Mas é preciso que isso seja feito “de forma serena, sem misturar o joio com o trigo”, disse o parlamentar.
Para Sefer, Bob Terra está sendo vítima do momento político eleitoral. “É comum nesses momentos que o emocional tome conta e que se acabe cometendo injustiças, principalmente quando se tem o nome de uma autoridade no exercício de mandato”, argumentou, para arrematar: “Lá em Portel, o clima político é muito avivado. Então, qualquer coisa que qualquer pessoa cometa, de um grupo, é usado pelo outro grupo para conotação política”.
O deputado alegou que Bob Terra namorava normalmente a adolescente e que a relação sexual entre eles era conseqüência desse namoro. “A moça foi levada a exame de conjunção carnal e foi visto que a perda de virgindade dela não era recente, já datava de muito tempo atrás”, apontou Sefer, para quem o problema reside no Código Penal, que, na opinião do parlamentar, precisa ser revisado.
“Quantas mulheres de 17, de 16 anos, já têm vida sexual normal? Todo mundo sabe disso. Se algo está errado são as nossas convenções sociais, o nosso costume social”, disse Sefer. Ele assegurou que Bob Terra é uma “pessoa de bem”, de bom convívio social. “Se tem autoridades envolvidas (com exploração sexual) em Portel ou em qualquer outro lugar do Estado, com certeza não se pode pegar o vereador Bob e jogar como uma pessoa deste saco, deste balaio”.
fonte: Tiana Moraes - DRT/PA 1.575
Foto: Ozéas Sa

Yúdice Andrade disse...

Oswaldo, como demorei demais a responder, só posso dizer, agora, que este é o assunto mais comentado da cidade, juntamente com o horror da insegurança pública.

Anônimo, pelo visto o deputado se apressou em defender o vereador, não? Será que pelo menos eram do mesmo partido?