O Diário do Pará de hoje, logo no primeiro caderno, publica reportagem de Flávia Ribeiro relatando um inusitado acontecimento na Vila de Turiaçu, Município de Tailândia.
Eulina Maria de Jesus, uma aposentada de idade não informada, tratava-se de câncer no centro da cidade (imagine que tipo de tratamento contra câncer se pode ter em Tailândia!) e foi dada como morta na última quinta-feira (27 de novembro). Na época em que fui voluntário no setor de oncologia infantil do Hospital Ophir Loyola, entre 1992 e 1996, vi alguns pacientes morrerem e o diagnóstico da morte era feito no olhômetro ou numa conferência dos batimentos cardíacos, com estetoscópio. A coisa mais sofisticada que vi fazerem foi o teste do éter. Portanto, imagino que critérios foram utilizados para declarar a aposentada como morta.
O fato é que, quando arrumavam o corpo para o enterro, a falecida teria mexado o braço e piscado. O caso provocou espanto e atraiu, claro, muitos curiosos. É um consenso, agora, que seu semblante parecia normal, como se ela estivesse apenas dormindo. Os familiares decidiram, por conta própria, esperar para ver. Isso me impressionou porque, em vez de procurarem socorro médico que, talvez, reanimasse a paciente (uma hipótese, por que não?), limitaram-se a deixá-la enfiada num caixão por três dias. Não foi tratada como um ser humano, mas como uma curiosidade — e, o que é pior, com o consentimento da família.
Na sucessão de fatos bizarros dessa história, passados três dias, decidiu-se por enterrá-la. Motivo: começava a cheirar mal. Contudo, um dos filhos acha que o cheiro se devia a estar sem tomar banho há três dias! Se era assim, por que enterraram a mulher? Reconheço que, provavelmente, falamos de pessoas muito humildes, mas confesso que já estou grato por não pertencer a essa família. Já pensou se fosse comigo?
E como não podia deixar de ser, o misticismo também marcou presença no evento. Um outro filho da vítima — creio que podemos chamá-la assim — declarou que sua mãe dissera (fato que não pode ser confirmado) que não morreria ainda; que teria um arrebatamento e ressuscitaria em três dias. A profecia, entretanto, só foi mencionada depois de acontecer, embora me pareça razoável que o filho a anunciasse tão logo sua mãe fosse dada como morta. Finalmente, preciso dizer que essa ressurreição foi bem ruim, já que — ao contrário do que se poderia esperar de um evento de fé —, a pessoa apenas piscou e mexeu o braço, mas não se levantou nem deu seu testemunho.
Da história, tiro a seguinte conclusão: precisamos urgentemente que as autoridades invistam em saúde pública, a fim de não relegar seres humanos ao abandono na hora da necessidade, seja para tratar suas doenças, seja para diagnosticar a morte, seja para dar uma destinação digna ao cadáver. Nada de sobrenatural, portanto.
5 comentários:
Li esta "matéria" até o fim.
E sinceramente, Yúdice, é absolutamente ridícula.
Ausência de batimentos cardíacos (pulso) e ausência de respiração, são mais do que suficientes para constatar qualquer óbito.
Teste do éter é anedotal e não existe absolutamente nada na literatura científica internacional que o ampare. E isso há muitos e muitos anos.
Cadáveres podem apresentar durante o avanço do processo de deterioração, algo que com MUITA boa vontade, poder-se-ia considerar como "movimentos", resultantes de espasmos que podem ocorrer durante este processo.
Há inclusive a possibilidade de liberação de gases por via baixa, digamos, o que pode confundir ainda mais as coisas e trazer "notícias" a segunda página de um jornal do interior de Traquateua.
Mas, como vc mesmo disse, é um caso de "fé".
É é exatamente isso que resume esta história toda.
Teria outras para lhe contar. Muitas outras, decorrentes da mera desinformação e de fé.
E fé eu não discuto. Apenas respeito.
Abs
Barretto:
1. Ridícula é a matéria ou a situação nela apresentada? Não me pareceu que a jornalista tenha encampado nenhuma idéia estranha, limitando-se a relatar o que lhe fora informado, do jeito que lhe informaram.
2. Temeroso quanto às condições da rede pública de saúde em Tailândia (e, de resto, em todo o Estado), preciso perguntar se o diagnóstico de morte pode ser feito com tanta simplicidade, como dizes. Só no olhômetro? Não pode ocorrer que as funções vitais desçam a níveis tão baixos que possam confundir o profissional, exigindo uma constatação um pouco mais cuidadosa? Honestamente, se um dia eu estiver numa situação de doença grave em pessoa da família, quando o médico me vier com uma declaração de óbito após tomar o pulso e mesmo após asculta com estetoscópio, eu exigirei mais. Posso estar dizendo bobagem, mas me considero um homem de ciência. Por isso, não dou ouvidos a crendices. Contudo, quero ser cientificamente convencido das coisas, principalmente das que me prejudiquem.
3. O teste do éter nunca me pareceu seguro. Foi citado em meu texto mais pelo pitoresco. Admito que o termo "sofisticado" possa ter dado uma impressão errada. Quando vi a criança morrer e a enfermeira fazer o teste, meu único pensamento era "um médico não deveria vir aqui, confirmar esse óbito?" Mas falamos de um hospital onde tudo faltava, a começar por humanidade. Sobre isto, posso falar em outra oportunidade.
4. Estou curiosíssimo para conhecer as outras histórias. Vou ficar no teu pé para que me contes.
Um abraço.
Fala Yúdice.
Respostas as suas perguntas.
1) Em minha humilde opinião, as duas são ridículas, do ponto de vista médico.
2) Sim. É simples assim para os médicos bem treinados. Não. Não existem situações em que a AUSÊNCIA de sinais vitais como batimentos cardíacos e respiração não denotem óbito. Existem é pessoas que não estão habilitadas a dar o diagnóstico correto.
E tantas outras dispostas a acreditar que o óbito não ocorreu, inclusive permanecendo 3 dias ao lado de um cadáver.
É o que penso.
Vou te contar sim, assim que nos reencontrarmos uma centena de outras estórias deste gênero, que normalmente, vicejam em lugares remotos do planeta, a exemplo dos santos que choram lágrimas de sangue, etc,etc, etc.
Abs
Agora tu chegaste ao ponto que eu queria: "Existem é pessoas que não estão habilitadas a dar o diagnóstico correto". Era isso que eu queria ler e é isso que justifica a minha renitência. É óbvio que eu sei que a ausência de sinais vitais caracteriza a morte. O que questiono é como se constata essa ausência, ainda mais em se tratando de pacientes especialmente debilitados.
Piso em ovos para não melindrar ninguém (algum outro médico que me leia), mas me preocupo com profissionais despreparados que possam mandar à sepultura quem ainda não precise dela. No resto, estou de pleno acordo contigo.
Sem dúvida, neste ponto estamos de pleno acordo.
Mas a divulgação correta do fato, deveria dar o enfoque exatamente neste ponto. E não soltar o fato desamarrado de qualquer contexto, como foi na reportagem. Que deste modo, camba para o sensacionalismo.
Pois o que provoca, é o pânico desconstrutivo, talvez.
Abs
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