quarta-feira, 10 de junho de 2009

Arma sem munição: inexistência de crime

No sítio do Supremo Tribunal Federal:

2ª Turma do STF arquiva denúncia contra acusado de porte ilegal de arma
Por 3 votos a 2, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o arquivamento de ação penal aberta com base em acusação de porte ilegal de arma porque o denunciado não dispunha de munição para efetuar disparos.
A decisão foi tomada nesta terça-feira (9), no julgamento de Habeas Corpus (HC 97811) impetrado em defesa de C.N.A., denunciado após ter sido preso na cidade de Suzano (SP) com uma espingarda. Ele foi detido porque carregava a espingarda no banco de trás do seu carro e não tinha porte de arma.
Segundo a defesa, apesar de a arma estar sem munição e envolvida em um plástico, os policiais militares prenderam C.N.A. em flagrante pelo crime de porte ilegal de arma de fogo. A prisão foi confirmada pelo delegado, mas, posteriormente, o juiz concedeu a liberdade provisória. No entanto, C.N.A. passou a responder a uma ação penal pelo crime.
Para os ministros Eros Grau, Cezar Peluso e Celso de Mello, a conduta de C.N.A. não está prevista no Estatuto do Desarmamento (10.826/03). “Arma desmuniciada e sem munição próxima não configura o tipo [penal]”, ressaltou Peluso.
O ministro acrescentou que no relatório do caso consta que a denúncia descreve que a espingarda estava sem munição. “É que espingarda, [para se estar] com munição próxima, só se ele [o acusado] se comportasse que nem artista de cinema, com cinturão, etc”, disse Peluso.
Para a ministra Ellen Gracie, relatora do habeas corpus, e o ministro Joaquim Barbosa, o arquivamento da ação penal nesses casos é prematuro quando existe laudo pericial que ateste a eficácia da arma para a realização de disparos.
“No caso, a arma foi periciada e encontrava-se [em pelas condições de uso]”, disse a ministra. Segundo ela, o laudo pericial registra que a arma “se mostrou eficaz para produzir disparos, bem como apresentou vestígios de resíduos de tiros”.


Neste julgado, o STF aplicou o princípio da lesividade. A incriminação do porte ou posse de arma de fogo não se dá pelo objeto em si, mas por sua capacidade de causar danos a terceiros. Se assim é, nas circunstâncias em que a arma não possa efetuar disparos não haveria motivos para a incriminação.
O raciocínio lógico (e principiológico), contudo, está longe de ser uma unanimidade, como se percebe pelos votos da sempre severa Min. Ellen Gracie e também do Min. Joaquim Barbosa. Para eles, o elemento segurança social fala mais alto: não interessa que a arma não possa efetuar disparos neste momento, desde que seja idônea para isso em algum momento. A norma penal assume, assim, ares de especulação, o que nos remete à antiga controvérsia em torno dos crimes de perigo, que a doutrina mais moderna só admite na forma do perigo concreto. Os delitos de perigo abstrato são uma excrescência, que no entanto constituem um dos maiores suportes aos Estados policiais.
É interessante observar que os arts. 12, 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826, de 2003) reportam-se expressamente a "arma de fogo, acessório ou munição", o que nos sugere um questionamento: se portar a arma desmuniciada não configura crime, como podemos reconhecê-lo se o agente estiver de posse, apenas, de acessório ou munição, inúteis na ausência da arma propriamente dita?
Estará o STF abrindo a porta para comprometer a vigência dos tipos penais em questão? É o que parece.

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