quarta-feira, 26 de maio de 2010

O que aconteceu, aconteceu

Esta singela mensagem, de uma obviedade gritante, pode nos trazer algum conforto diante das dificuldades da vida. Pode, inclusive, fazer-nos superar nossos conflitos, dramas e traumas, capacitando-nos a seguir adiante. Provavelmente, é o cerne do seriado Lost, que acabou há pouco mais de dois dias nos Estados Unidos, ontem na TV paga brasileira e em dias e horários variados, para o impressionante número de pessoas que acompanharam a série graças aos programas de compartilhamento de arquivos.
Na semana passada, falei de minhas frustrações com o seriado e manifestei minha esperança de que, em seu finale, ele revelasse algo capaz de consolidar minha compreensão e meus sentimentos a respeito. Ontem, assisti ao episódio final. E, honestamente, não sei o que pensar. Ainda preciso de tempo para digerir o que vi. Por isso, não esperem nenhuma posição minha.

 

 

Por enquanto, posso dizer apenas que foi uma belíssima experiência. Embora eu não saiba ao certo a natureza dela.
Como era de se esperar, Lost acabou e continuamos perdidos. Decerto que essa era a intenção dos autores, desde o primeiro momento. E conseguiram, com muita elegância.

 
Leituras interessantes sobre o encerramento da série podem ser encontradas aqui:

10 comentários:

Anônimo disse...

Caro Yúdice, antendendo aos seus apelos, venho me manifestar a respeito de Lost. Vou dividir esse comentário em duas partes. Na primeira, tentarei relativizar sua afirmação, feita na postagem Lost: O Fim, da última sexta, 21 de maio de 2010, de que os rumos tomados pelas últimas temporadas do seriado haviam sido decepcionantes em vista das expectativas criadas nas primeiras temporadas; na segunda, tentarei expressar a minha compreensão acerca de The End, o intrigante e surpreendente episódio final do seriado. Como se pode pefeitamente adivinhar, os comentários que seguem são recheados de spoilers para quem ainda não viu os episódios a que eles se referem.

PRIMEIRA PARTE

Um dos pontos que mais me chamou atenção positivamente na sua postagem foi o uso que você fez, de modo bastante prudente, de marcadores de subjetividade, como "eu esperava que" e "eu cheguei a pensar que", pois eles indicam que seu referencial de comparação do rumo que a série tomou é o rumo que você, pessoalmente, esperava e gostaria que ela tivesse tomado. Desde já destaco que, se o seu parecer final de que "Lost é isso. Decepcionante" for expressão apenas de sua frustração pessoal com a série, no sentido de que o que veio à tela não foi o que você mais teria gostado, ele é, enquanto tal, irrefutável. O que tentarei, sim, refutar é a ideia de que aquilo que veio à tela é decepcionante. E isso me parece expresso na sua postagem quando você fala que "abdicando de todas as questões científicas ou pseudocientíficas que faziam dele um entretenimento inteligente, Lost foi reduzido a uma clássica e singela batalha entre o bem e o mal, personificados num messiânico Jacob e em seu irmão, uma espécie de Satanás". Nisso me parece claro que a opção dos produtores por um viés religioso fez com que, aos seus olhos, a série abdicasse do que a fazia "inteligente", no sentido de intelectualmente provocativa, e abraçasse uma via "clássica e singela", no sentido de clichê e maniqueísta. Disso discordo frontamente, pelos motivos que vou elencar agora:

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice,

Concordo contigo: foi uma linda experiência. Emocionei-me, junto com a Teuly, ao final da série. E te digo: na minha opinião, a solução encontrada pelos autores foi a única plausível. Achei, sinceramente, genial: Lost atraiu a atenção dos espectadores para um ponto e, no fim, mostrou que a saída para o enredo de fantasias, desencontros, viagens no tempo, era outra.
Mesmo que não tenha sido original - e aqui vai um SPOILER para quem não teve oportunidade de assistir ao último episódio -, já que a conclusão do livro O Terceiro Tira, mencionado no curso da série pelos produtores, é a mesma, valeu pela emoção. Foi sensacional e inesquecível acompanhar Lost estes 6 anos. Parodiando a Valisère, a primeira série, ninguém esquece.
Abraços.

Anônimo disse...

i) A estratégia inicial dos produtores de Lost para atrairem o enorme interesse de uma massa de telespectadores com as mais diversas preferências televisivas e visões de mundo foi plantar no seriado um conjunto de personagens e elementos tão variados que desse margem para todos os tipos possíveis de expectativas de desfecho para a trama de mistério. Entre os vários temperos postos na receita do seriado, estava o elemento científico das estações, dos números e da Dharma Iniciative. Mas, ao lado desse elemento, sempre estiveram presentes muitos outros. Sempre esteve presente o elemento romântico de casais existentes e possíveis; o elemento dramático da ilha como possibilidade de redenção para pessoas cujas vidas eram fracassadas em algum ponto relevante; o elemento filosófico de como é possível a convivência entre os diferentes numa situação de escassez de recursos e de ausência do Estado; e também o elemento místico, de um assustador e inexplicável monstro de fumaça que ameaçava os losties, de uma possível configuração do destino que havia reunido todas aquelas pessoas, de uma ligação mais íntima com a ilha da parte de John Locke. Mas essa vasta abertura do início não poderia ser mantida até o final a não ser sob o preço de não resolução dos mistérios principais, alternativa que, em vez de satisfazer a todos, provavelmente despertaria fortes sentimentos de frustração e traição e não satisfaria a ninguém. Para darem alguma resposta final, os produtores tinham que fazer alguma escolha entre os diversos rumos possíveis que a trama poderia seguir. Era preciso algum fechamento.

Anônimo disse...

ii) A escolha que os produtores fizeram pelo elemento religioso não trai, portanto, a proposta inicial do seriado. Não trai porque esse elemento sempre esteve presente na trama como um dos vieses possíveis de abordagem da história. Quando os produtores dão ao primeiro episódio da segunda temporada o nome de Man of science, man of faith, encarnando os dois pólos nas personagens de Jack e Locke, fazem uma clara indicação dos dois caminhos que eram possíveis para o seriado dali por diante. As duas célebres frases daquelass personagens no episódio: "Everything happened for a reason" e "I think you are mistaking coincidence for fate" anunciam desde ali os dois possíveis desfechos da narrativa. Assim, não se pode alegar que Lost se "desviou" daquele que era o seu espírito inicial, nem que "enganou" aqueles que esperavam por respostas científicas, muito menos que nunca acenou desde o início com a possibilidade pela qual acabou optando em seu final. E mais: Sempre houve os expectadores que eram "men of science", como Jack, você e eu, e sempre houve os que eram "men of faith", como Locke. Esses grupos tinham expectativas radicalmente opostas sobre o destino do seriado e, qualquer que fosse esse destino, as expectativas de pelo menos um desses grupos de expectadores seria frontamente contrariada. Era inevitável.

Yúdice Andrade disse...

Não foi a primeira para mim, Francisco. Já vi duas séries na íntegra (100% dos episódios, na sequência): a magnífica "Arquivo X" (9 temporadas) e a mais ou menos "Alias", também de J.J. Abrams e que foi antecipadamente encerrada na 5ª temporada para que a equipe se dedicasse a "Lost".
E não posso esquecer "Plantão médico", que adoro e já acompanhei 11 temporadas.
Mas "Lost" será sempre uma experiência única.

André, aguardarei ansiosamente a conclusão do teu raciocínio, mas antecipo que a tua percepção sobre mim foi simplesmente perfeita: a minha crítica foi toda calcada em expectativas pessoais. Não tem a ver com ter sido bom ou não, mas com ter ido ao encontro do que eu gostaria. E por isso mesmo jamais diria que o desfecho foi ruim, mesmo que já tivesse tal opinião.
Fico no aguardo.

Anônimo disse...

iii) O motivo pelo qual os produtores optaram pela visão do "man of faith" foi exposto em inúmeros epidódios, mas eu gostaria de destacar a sequência de episódios-chave centrados na personagem Desmond Hume: "Flashes before Your Eyes" (S3E8), "The Constant" (S4E5) e "Happily Ever After" (S6E11), que construíram a ideia de que havia, sim, um destino, de que o que era capaz de manter a unidade de cada personagem ao longo do tempo era a presença de uma constante para cada um e de que essa constante era uma pessoa amada (O fato de que a constante do descobridor da ideia de constantes, Daniel, capaz de despertá-lo da ilusão da realidade paralela, fosse, ao contrário do que ele supunha, Charlotte, e não Desmond, como anotara em seu caderno, confirma isso). Tudo isso apontava que Lost era no fundo uma série sobre amor, coisa que se confirmou em The End, como depois vou defender. E o que tem isso a ver com o elemento religioso? Tem a ver, porque os produtores optaram pela via que lhes permitiria passar uma mensagem sobre o que é essencial na vida no fim das contas. Proteger a ilha é apenas uma forma de proteger as pessoas, e isso volta a se expressar na frase de Ben para Hurley para lhe dizer como defender a ilha: "I think you have to do what you do best: protect people". Vou desenvolver melhor essa ideia ao falar de The End.

Anônimo disse...

iv) Penso que o viés religioso adotado pelo seriado a partir da quinta temporada também não pode ser acusado de desinteligente, clichê e singelo. E lembre-se que eu sou ateu e tive as mesmas expectativas que você no início de Lost. Primeiro, Jacob não era inteiramente bom, nem seu irmão era inteiramente mau. Ambos eram produtos opostos da educação de uma mãe problemática, que se tornou perturbada, manipuladora e assassina pelo peso do fardo de guardiã da ilha. A lição de Across the Sea não é de que o segredo da ilha é uma luz dourada no fundo de uma caverna misteriosa, e sim de que Jacob e seu irmão são, no fundo, apenas pessoas, momentos da história da ilha, uma história que nem começa nem termina com eles. Por que a mãe dos dois diz "Thank you" ao filho que a matou em Across the Sea? Pelo mesmo motivo por que Jacob não resiste ao ataque de Ben em The Incident: Ele queria se livrar do fardo de seu cargo. Por que a mãe sequestra os dois filhos da náufraga que ela depois mata? Pelo mesmo motivo por que Jacob visita e toca cada um dos futuros losties: Ele precisava de candidatos para substituí-lo, sem o que ele seguiria com seu fardo. Jacob também é manipulador, também é fraco e também é solitário e arrependido do que fez a seu irmão. Ele não é messiânico, mas apenas heroico na sua capacidade de autosacrifício como guardião da ilha, um cargo que ele procura honrar, embora se ressinta de não ter podido escolher, pois lhe foi imposto. Seu irmão não é mau. Ele é apenas um "men of science", que acredita na liberdade, que quer conhecer o que existe fora da ilha e que está disposto a tudo para livrar-se do triste destino que as escolhas de sua mãe acabaram por impor-lhe. Não há nada de satânico nele. Se há nele algo de intrinsecamente mau, é apenas sua inescrupolosidade diante de mentir, enganar, manipular, ameaçar, ferir e matar para atingir seus objetivos, algo que se viu, em maior ou menor medida, também em outras personagens, como Ben, Sawyer e Michael. Não há uma oposição "singela" entre bem e mal, e sim uma oposição complexa entre desejo de liberdade a quase qualquer preço e missão de proteção a quase qualquer preço.

Anônimo disse...

SEGUNDA PARTE

Agora sobre o intrigante The End. Fixando em primeiro lugar que, a julgar pela conversa final entre Jack e Christian, a realidade na ilha era uma realidade em vida, mas a realidade paralela era uma realidade post mortem, disso algumas coisas precisam ser extraídas. A primeira é que, então, Lost não era um seriado sobre como as personagens entenderiam ou protegeriam o segredo da ilha, mas sim sobre como elas se conectariam umas com as outras de modo significativo, conexão essa que se revela, portanto, como o verdadeiro "segredo" da ilha. Isso porque, na realidade paralela, como disse Desmond, "Nothing of this matters": Não há mais ilha, homem de preto, avião, Dharma, os Outros, nem nada do tipo. Só o que há são as pessoas e as conexões essenciais que elas estabeleceram entre si. A segunda coisa é que não houve "happy endings" em Lost. O fato de que os casais ideais só se reencontram na realidade psot mortem mostra que, em vida, nenhum deles pôde ter uma longa e duradoura convivência com seu parceiro, mas a curta convivência que tiveram na ilha bastou para marcar suas vidas e converter um na constante do outro, capaz de despertá-los todos de sua não lembrança. A cena final de Lost é trágica ao estilo grego: O heroi, deitado no solo da cena inicial do seriado, prestes a morrer em autosacrifício, sozinho a não ser pela tocante companhia do cachorro Vincent, contempla no avião que passa no céu o cumprimento de seu destino de salvar a ilha para assim salvar as pessoas, sem, no entanto, ser bem sucedido em salvar-se a si mesmo, a não ser no sentido simbólico de uma redenção martírica. A mensagem dos produtores: Em vida, se alguma felicidade há, ela está na ligação entre as pessoas, que geralmente é curta e precária, mas que tem chance de ser tão significativa a ponto de que, se algum destino houver para depois da morte, tenhamos razão para esperar que seja ao lado desses que conseguiram tocar nosso coração e dar sentido a nossa existência. E isso para mim foi puro Lost: No fim, os mistérios eram desimportantes, importantes eram as pessoas, suas vidas, suas experiências e seus encontros. E isso dá a Lost um desfecho e um sentido que são completamente diferentes daqueles que eu tinha esperado e que eu teria escolhido, mas que a tornam a maior série de TV de todos os tempos e merecedora eterna do respeito e da admiração de todos que gostem de um drama humano inspirador e bem construído. E, se a série teve que me frustrar para tornar-se eterna, considero a minha frustação apenas mais um dos sacrifícios necessários que a ilha demandou. É essa a minha opinião.

Yúdice Andrade disse...

André, como dizem os meus amigos blogueiros: vais para a ribalta!

Anônimo disse...

Um último comentário:

Na minha opinião, um dos motivos pelos quais o herói-mártir é Jack, e não Locke, é representar justamente a transição do "man of science" para o "man of faith", que aponta, por sua vez, para a esperada transição das expectativas e pontos de vista daqueles que estavam ao lado de Jack para se converterem, aos poucos, para o lado de Locke. A série convida o "man of science" que está assistindo a fazer a mesma mudança de horizontes do protagonista da história, pois importante não é apenas que existam aqueles que, como Locke, já naturalmente creem no que é essencial, mas sim também que aqueles que, como Jack, inicialmente não creem tenham a chance de perceber o que estão deixando de lado. A série foi se construindo de modo a levar gradativamente para o "Nothing of this matters" de Desmond. Tudo que no início chamava a atenção, despertava a curiosidade, inflamava o entusiasmo foi aos poucos se descolorindo para deixar, em primeiro plano, a verdade última: "Live together for you not to die for nothing and not to die alone".

Postei minha opinião no meu blog, já com esse acréscimo. Por isso vim fazer o complemento aqui. Abraço!