Em relação à matéria "Recurso em processo do furto de 21 abóboras: desembargador critica Ministério Público", veiculada no saite Espaço Vital no dia 06/04/2004, faz-se necessário apresentar alguns esclarecimentos, para que os seus inúmeros leitores possam ter a verdadeira dimensão do fato:
O delito de furto das 21 abóboras, que correspondiam a 50 quilos do fruto, foi praticado por dois autores e ocorreu na zona rural do Município de Rosário do Sul.
O magistrado de 1º Grau acolheu a denúncia do Ministério Público, asseverando que na conjuntura social em que vivemos, ainda mais na zona rural - onde o valor de 50 quilos de abóbora pode corresponder a grande parcela do rendimento de uma propriedade - não podendo, pois, considerar-se como irrisório o seu valor.
Outrossim, o laudo de avaliação das abóboras juntado aos autos forneceu o valor dos frutos subtraídos (R$ 15,00) em âmbito de produção primária, que certamente alcança custo muito superior quando levado ao mercado consumidor.
Ademais, no caso em questão, o objeto do furto foi produzido em regime de economia familiar e, provavelmente, o déficit na produção da família-vítima poderia afetar a condição de subsistência de seus entes, com o que o Ministério Público, como defensor da sociedade, não podia se omitir em seu mister de buscar a responsabilização penal ante a prática de um delito.
Aliás, é importante salientar que os autores do crime têm vastos antecedentes, conforme consta dos autos.
Em verdade, a decisão que reconheceu como irrisória a subtração das abóboras esqueceu, e não se sabe porquê (mesmo com a oposição de embargos de declaração pelo Ministério Público), de analisar as condições pessoais da vítima, elemento indispensável para a aplicação do princípio da insignificância, o qual torna atípica a conduta. Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
"CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. CONDENAÇÃO POR TENTATIVA DE FURTO PRIVILEGIADO, EM SEDE DE APELAÇÃO. PRETENSÃO DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. QUANTIA NÃO TIDA POR INSIGNIFICANTE FACE A CONDIÇÃO ECONÔMICA DA VÍTIMA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
I – A aplicação do princípio da insignificância implica no exame, caso a caso, não só do valor inerente ao objeto furtado, mas também da condição sócio-econômica da vítima e da necessidade objetiva que ela tem daquele item específico, com o objetivo de ser avaliado o bem furtado como de pequeno valor ou insignificante.
II – Não padece de ilegalidade o acórdão que entendeu não ser o caso da aplicação do princípio da insignificância, se evidenciado que a quantia que se tentou furtar – correspondente a mais de meio dia de trabalho da vítima – não pode ser considerada desprezível.
III – Recurso conhecido e desprovido." (REsp nº 502.734 – MG [2002/0176004-0] – Rel. Min. Gilson Dipp – Julgado em 16/10/2003 – Publicado no DJ em 24/11/2003, pág. 355 – 5ª Turma)
Como se vê, o Ministério Público estava e está – pois recorreu da decisão ao STJ – exercendo o seu papel, na defesa da ordem jurídica e, em última instância, da vítima, que restou totalmente desprotegida pela decisão.
Lamentavelmente, o acórdão preocupou-se mais em tecer críticas infundadas ao Ministério Público, deixando de fazer justiça para com o ofendido".
(ass). Antonio Carlos de Avelar Bastos,Procurador-Geral da Justiça, em exercício".
Não tecerei maiores comentários sobre o cerne da discussão. Deixarei, porém, as seguintes impressões:
1. Consultando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é provável que o Ministério Público gaúcho tivesse sucesso naquela corte: o princípio da insignificância não está sendo aplicado somente com base no valor do objeto do crime, mas também em outras variáveis, como as condições econômicas da vítima. Tentei, mas não encontrei informações sobre se o recurso desse caso, junto ao STJ, já foi julgado e, se sim, qual teria sido a solução.
2. Entretanto, para alívio meu, no Supremo Tribunal Federal o entendimento se altera (infelizmente, a decisão não é do Pleno). O pensamento da máxima instância judiciária no Brasil é o seguinte:
Para a incidência do princípio da insignificância só se consideram aspectos objetivos, referentes à infração praticada, assim a mínima ofensividade da conduta do agente; a ausência de periculosidade social da ação; o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; a inexpressividade da lesão jurídica causada (HC 84.412, 2ª T., Celso de Mello, DJ 19.11.04). A caracterização da infração penal como insignificante não abarca considerações de ordem subjetiva: ou o ato apontado como delituoso é insignificante, ou não é. E sendo, torna-se atípico, impondo-se o trancamento da ação penal por falta de justa causa (HC 77.003, 2ª T., Marco Aurélio, RTJ 178/310).
(Acórdão proferido pela 1ª Turma no RE-QO 514530/RS - Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Julgamento: 6.2.2007)
3. Os "vastos antecedentes criminais" que os réus teriam, segundo o MP, podem ser uma falácia, eis que mentes menos sábias continuam a insistir no erro todo santo dia. Por antecedentes criminais somente podemos aceitar as condenações penais transitadas em julgado, fora dos casos de reincidência. Esse é o único entendimento condizente com os princípios reitores do Direito Penal e já foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal.
2 comentários:
Yúdice, quer dizer, então, que antecedentes criminais, somente tem a ver com condenação criminal transitada em julgado? Se um réu estiver respondendo a vàrios processos penais, ainda em tramitação, ele é considerado de ficha limpa? Aqui, nós fornecemos duas certidões: uma de antecedentes (que mostra que o réu responde à processos em tramitação)e outra de primariedade (para saber se o mesmo foi condenado com sentença transitada em julgado. Esse procedimento é correto? Ou deveriamos forncecer apeans uma certidão de "primariedade"?
Márcio, responderei a dúvida em um novo post.
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