domingo, 21 de dezembro de 2008

O gosto pelo trabalho


Texto atualizado em 22.12.2008:

Num país que despreza a leitura, o jornalista Laurentino Gomes pode se considerar um vencedor. Ele é autor de 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil, que se tornou um dos maiores sucessos editoriais recentes no Brasil (para felicidade da Editora Planeta), embalado pelas comemorações dos 200 anos da chegada da família real por estas paragens.
Desde o seu lançamento, estava ávido por ler a obra  aficcionado por História que sou. Mas somente agora surgiu a oportunidade. A preocupação enorme e declarada de Gomes em produzir um texto "acessível" surtiu efeito. As páginas se sucedem em grande velocidade, numa leitura que em momento algum deixa de ser instigante. Vencidas 166 páginas em pouco mais de três horas, constato que o autor merece os muitos elogios que lhe têm sido feitos.
Das muitas coisas interessantes que encontrei no livro, destaco uma. Abdicando-se da ridícula história oficial  que já foi objeto de críticas aqui no blog , conhecendo-se a história revisitada e real, aprendemos que a colonização portuguesa está na raiz de algumas características bastante odiosas que os brasileiros apresentam ainda hoje e das quais não parecem dispostos a desistir. Uma delas é descrita nestes termos:

Sérgio Buarque de Holanda, autor do clássico Raízes do Brasil, mostrou que no Brasil colônia se tinha aversão ao trabalho. Segundo ele, o objetivo da aventura extrativista era explorar rapidamente toda a riqueza disponível com o menor esforço e sem nenhum compromisso com o futuro: "O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho" (Gomes, ob. cit., p. 61).

Em capítulo posterior, Gomes explica que muitos escravos recebiam autorização de seus donos para alugar sua força de trabalho. Eram os chamados "pretos de ganho", que podiam até auferir bons lucros, mas estes beneficiavam seus donos e os agenciadores dessa mão de obra (se bem que muitos podiam guardar parte do lucro e comprar a própria liberdade). Segundo James Tuckey, viajante que esteve no país naquela época, citado por Gomes, "Todos os que conseguem adquirir meia dúzia de escravos passam a viver na mais completa ociosidade  explorando os rendimentos do trabalho dos seus negros  e a caminhar pela rua solenemente, com grande empáfia".
A aversão ao trabalho ainda é uma característica forte do brasileiro. Basta ver que, nas manjadérrimas reportagens sobre prêmios acumulados da loteria, a resposta "eu não trabalharia nunca mais" é uma das mais fornecidas. Este pensamento lamentável não se limita aos assalariados ultra-explorados por maus empregadores ou aos que labutam no mercado informal. É uma opinião reinante entre pessoas de condições sociais privilegiadas, inclusive de formação superior, que poderiam usar esse dinheiro para empreendimentos audaciosos e confortáveis, como constatei pessoalmente em várias ocasiões. O negócio é viver na gandaia, mesmo.
Nossas origens apontam, também, para a mentalidade dilapidadora: lucro fácil e exorbitante, ao custo de qualquer destruição ambiental, social ou humana. Assim se conduzem as Vales da vida, mas também qualquer madeireiro, por menor que seja.
Por fim, uma outra característica detestável: é só ganhar alguns tostões ou um arremedo de poder e o sujeito se sente melhor que os outros, fazendo questão de externar isso.
Longe de mim validar teses lombrosianas. Mas que a genética do brasileiro não é das melhores, infelizmente não é.

3 comentários:

Rafael Amarante disse...

Professor, há mais de um ano tenho vontade de ler este livro. Na verdade, estava no aeroporto e ví, na La Selva, vários exemplares, arrumados em pilhas e fiquei instigado, em especial pela capa e pelo título, porém no meio de tantas futilidades do dia-a-dia, acabei não comprando. No natal de 2008, vou me presentar com um exemplar. Pelos seus comentários, tenho certeza de que vou gostar.

Yúdice Andrade disse...

Vai, sim, Rafael. Para teres uma idéia, esta manhã precisei sair. Abri o livro no banco do carona e lia em cada sinal fechado, tal a minha ânsia de não interromper a leitura.

Anônimo disse...

parabéns pela nova arte do blog. Está bela e tem yúdice no início e no fim :)
Abs!
Lu.