segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Excesso de prisões preventivas... na Europa

Na Europa, um a cada quatro presos aguarda julgamento

Por Aline Pinheiro

Mandar acusados para esperar o julgamento atrás das grades está virando medida de praxe na Europa. A constatação em tom de reclamação é do comissário do Conselho Europeu para os Direitos Humanos, Thomas Hammarberg. Recentemente, o Conselho divulgou que 25% dos presos nos países europeus ainda não foram julgados.
Os números variam de país para país. Na Itália, 42% dos prisioneiros, ou seja, pouco menos da metade, ainda não foram julgados. O país com o menor número de prisões preventivas em vigor é a República Tcheca: apenas 11% do total de presos.Para termos de comparação, no Brasil, cerca de 40% da população prisional são de presos provisórios.
Hammarberg ressaltou que a Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelece que todo mundo é inocente até que se prove o contrário. Prender alguém sem condenação definitiva é encarcerar presumidamente um inocente, o que viola os direitos da pessoa. A exceção só é aberta se ficar comprovado que a liberdade do acusado pode atrapalhar significativamente as investigações ou ainda que ele pode fugir antes de ser julgado, explicou.
Para o comissário, no entanto, uma parte considerável das prisões preventivas não se encaixa nessas exceções. Hammarberg lembrou casos que já foram parar na Corte Europeia de Direitos Humanos. A Turquia, por exemplo, já foi condenada por não fundamentar corretamente uma prisão preventiva. Outros países também tiveram de indenizar acusados que passaram anos atrás das grades sem julgamento.
Hammarberg se disse indignado com o fato de os países, mesmo com problemas de superlotação nos presídios, não tentarem reduzir o número de prisões preventivas. E comemorou que a Comissão Europeia, órgão da União Europeia, abriu em junho uma consulta pública para tentar aprimorar a legislação criminal comunitária. No pacote, também vão ser reanalisadas as regras para as prisões preventivas.

Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
Revista Consultor Jurídico, 27 de agosto de 2011
É por isso que eu gosto da civilização. Aqui, a classe média sonha com a Europa e critica a suposta leniência da legislação criminal. Lá, o que se critica é a tendência de expansão do Direito Penal, que se exemplifica, dentre outros sintomas, pelo uso excessivo de prisões cautelares. Note que, segundo a matéria, esse aspecto "está virando" praxe por lá. Por aqui, já é uma dura realidade há décadas. Vale a pena ler a contundente crítica que Eugenio Raúl Zaffaroni faz, em seu O inimigo no Direito Penal, sobre o uso indiscriminado de prisões cautelares na América Latina como um todo.

Abaixo da linha do Equador, o índice de 50% dos presos como provisórios é facilmente extrapolado, como consequência de sistemas sociais adversos e de sistemas judiciais ineficientes, porém altamente capazes de reproduzir as mazelas dos primeiros. Segundo os dados oficiais do Departamento Penitenciário Nacional DEPEN, a população carcerária brasileira ao fim de 2010 era de 496.251 pessoas (somatório dos presos no sistema penitenciário e nas delegacias de polícia), sendo 331.568 condenadas em definitivo (incluindo os três regimes penitenciários) ou sofrendo medidas de segurança de todos os tipos e 164.683 presos provisórios.
Destaque-se que a prisão provisória se equipara, na prática, a um regime fechado e, muitas vezes, o tratamento dispensado ao indivíduo chega a ser bem pior, além da maior dificuldade de acesso ao juiz. Se considerarmos apenas o número de presos em regime fechado (188.777), a diferença entre estes e os provisórios é de apenas 24.094 pessoas.
Enquanto por aqui a expressão "direitos humanos" é deturpada e execrada e o sistema de justiça criminal tem nos apresentadores de TV e rádio os seus arautos e intelectuais, lá se respeita o Conselho Europeu para os Direitos Humanos. O titular deste não anda nada satisfeito com as medidas desarrazoadas, que sem dúvida têm relação com a imigração e que se avolumam em países como a Itália, um país complicado, como se pode ver na postagem "Quem escreve morre", três abaixo desta. Por lá, a autoridade entende que os países devem se esforçar por esvaziar as cadeias. Aqui, impera o discurso do se-não-cometesse-crime-não-estaria-preso ou aquela inteligente solução do extermínio. Lá, até se pune um país por não fundamentar corretamente as prisões preventivas. Aqui, se todos os casos de prisões desfundamentadas fossem apurados, faltaria papel no planeta.
Em suma, eu gosto da civilização porque, nela, ainda resta algum bom senso e as pessoas podem falar no assunto. Já aqui... Esperemos para ver o que acontece na caixinha de comentários.

4 comentários:

Anônimo disse...

Lá, pelo menos quem rouba, seja com arma de brinquedo ou não vai preso. Aqui não vemos muito mais da metade dos crimes solucionados, e uma soltura quase imediata de presos com HCs mesmo em casos de réus sem residência fixa, etc. Ainda é possível comparar por que lá eles querem resolver isso e aqui há uma sede de justiça ensandecida, feita de qualquer maneira?

Yúdice Andrade disse...

Como esperado, aconteceu. Nunca falha.

Das 21h25, realmente o índice de elucidação policial/judicial de crimes aqui no Brasil é muito baixo. Aliás, essa é outra característica da América Latina. Os estudiosos têm até uma categoria para isso: "cifra oculta da criminalidade" (terminologia de Zaffaroni).
Afora isso, você está bem desinformado quando afirma haver uma "soltura quase imediata de presos com HCs" (sic). É a negação da premissa da postagem e da própria realidade. Eu o desafio a provar, com estatísticas ou outro recurso, que é fácil um indivíduo conseguir responder ao processo solto neste país, depois de ter sido preso. A menos que seja da classe média para cima, claro. Desafio. A sua informação está errada e lhe digo isso não apenas por informações acadêmicas, mas porque trabalho com isso em minha outra atividade profissional.
Sua afirmação sobre acusados sem residência fixa demonstra uma concepção arcaica da repressão penal, que se baseava em presunções de culpa e se isentava de examinar as causas reais de uma grande parcela da população não ter acesso a uma residência, que dirá fixa. Mas como para você criminalidade é sinônimo de roubo, isto é, proteção do patrimônio, não me surpreende. Conheço esse discurso de longa data.
No mais, "sede de justiça ensandecida" é uma ideia que merecia entrar para o Panteão dos Absurdos da Humanidade, se houvesse um. Afinal, justiça deveria ser uma aspiração de todos mas, pelo visto, para alguns ela é um mal.
Incrível...

Gabriel Parente disse...

Se o Brasil fosse condenado tal qual no caso da Turquia, nosso país teria que mudar de nome, inventar uma nova moeda, novo idioma e novo lugar na Terra, porque, pelo menos os casos que vi de decisões, tanto dos Tribunais de Justiça, quanto do STJ acerca de manutenção da prisão preventiva, a fundamentação é pífia. Cheguei a ler uma decisão que dizia algo do tipo: mantenho a prisão preventiva para a garantia da ordem pública em face da periculosidade do réu e da violência do seu crime, EM TESE, praticado. Na minha opinião, fundamentar a decisão na garantia da ordem pública é uma enorme covardia, pois, pelo menos o direito penal, não vi nenhum doutrinador que pudesse conceituá-la. E é disso que os magistrados se aproveitam.

E o pior de tudo é ver nos jornais, depois de uma investigação policial altamente explorada pela mídia, tendo seu clímax jornalístico com as prisões em flagrante dos acusados, as manchetes ultrajantes reclamando da impunidade, porque "os bandidos foram soltos; só passaram dois dias na cadeia". Nunca vi um jornalista/repórter que explicasse, em público, o motivo real da soltura dos acusados, dos direitos que a pessoa possui para recorrer em liberdade e as circunstâncias de exceção às quais dão azo à prisão preventiva de um réu. Mas é aquele negócio, saiu no jornal, tem que manter preso pra garantir a ordem pública, porque, pra maioria, "bandido bom é bandido preso (quiçá morto!)".
É uma pena.

Yúdice Andrade disse...

Foi exatamente o que pensei, Gabriel. A fundamentação das decisões que decretam prisões cautelares ou negam a liberdade a acusados em geral costuma ser pífia - mera reprodução das hipóteses legais, cheias de escandalosas presunções, pré-julgamentos do mérito, quando não apelam para afirmações completamente esdrúxulas. Isso mesmo diante de uma já sólida jurisprudência do STF considerando abusivos prisionais desse tipo.
Triste.