A Folha Online acabou de noticiar que está em vias de apreciação pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, já com parecer favorável do relator, um projeto de lei do deputado Carlos Souza (PP-AM), que versa sobre o trabalho do preso. Segundo a proposta, todo condenado que opte por não trabalhar na instituição penitenciária ficará impedido de receber benefícios redutores da pena.
A proposta não é assim tão simples. A legislação penal prevê que o trabalho do preso é obrigatório, até porque considerado "dever social e condição de dignidade humana", devendo ter finalidade educativa e produtiva (art. 28 da Lei de Execução Penal). Todavia, a Constituição de 1988 veda a imposição de pena de trabalhos forçados (art. 5º, XLVII, "c").
Atualmente, a Organização Internacional do Trabalho, através de sua Convenção n. 29, define trabalho forçado ou obrigatório como sendo "todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente", fazendo entretanto a ressalva quanto a "qualquer trabalho ou serviço exigido de uma pessoa em decorrência de condenação
judiciária, contanto que o mesmo trabalho ou serviço seja executado sob fiscalização e o controle de uma autoridade pública e que a pessoa não seja contratada por particulares, por empresas ou
associações, ou posta à sua disposição" (artigo 2º, 1 e 2, c).
Diante disso, é cabível o questionamento: ao determinar-se que o preso que, deliberadamente, recusa-se ao trabalho fica alijado de certos benefícios legais, isso não é uma sanção imposta contra sua inércia? Não estaríamos diante de um trabalho forçado, ainda que tácito? É preciso harmonizar a ideia de trabalho obrigatório, da lei brasileira, com os tratados internacionais sobre trabalho e direitos humanos.
A legislação vigente permite a remição de um dia de pena para cada três dias trabalhados. É um direito do condenado. Mas ele pode não trabalhar, se for essa a sua vontade. Nesse caso, assume o ônus de não ter a sua pena remida pelo trabalho, porém não sofre nenhuma penalidade. Não pode, p. ex., ser acusado de indisciplina e mau comportamento. Se no futuro, eventualmente, o governo quiser conceder um indulto parcial — que vem a ser exatamente um benefício destinado a reduzir a pena dos detentos de bom comportamento -, esse indivíduo poderia ser beneficiado. Se aprovada a proposta ora sob comento, o indulto estaria vedado. Daí decorre a possibilidade de a proposta ser inconstitucional.
Note que falei em possível inconstitucionalidade. Este meu juízo é provisório e avalorativo. A sociedade brasileira precisa discutir amplamente a questão, desapaixonadamente, sem o propósito de querer manter as pessoas encarceradas apenas por desejo de vingança. Um parecer pela constitucionalidade dado por ACM Neto não me inspira nenhuma segurança.
O lado bom do projeto em questão é a ordem que dá ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária para estabelecer a capacidade máxima de cada estabelecimento prisional do país, fixando prazo de cinco anos para que todos se adequem. A partir daí, toda instituição deverá implantar um sistema de trabalho e é nesses moldes que a recusa pode provocar a restrição do direito. Ou seja, o Estado também está sendo chamado à responsabilidade.
Se entendi direito, apenas na hipótese de o presídio possuir uma lotação condizente com sua capacidade e de ter implantado um programa de trabalho é que o preso omisso pode sofrer o prejuízo.
Mas a alegria pode ser efêmera: a legislação penal sempre previu tantas coisas que jamais saíram do papel, por omissão criminosa dos governantes, dos parlamentares e até do Judiciário. De nada adianta mandar o governo agir se ele efetivamente não agir. Corre-se o risco de, aprovado o projeto, a União e os Estados manterem a desídia de sempre e, no final das contas, o peso da lei recair no lombo apenas do lado fraco, que no caso é o preso. Ou seja: permanece a superlotação carcerária, permanece a ausência de programas de trabalho em 99% das instituições penais, mas mesmo assim o preso perdeu o seu direito. Aí fica difícil.
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