sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Implicações do caso em análise

Ainda elucubrando acerca desse incidente médico (você não entenderá esta postagem se não ler a anterior que, infelizmente, no Blogger, é a posterior, aí embaixo), deixou-me inquieto essa coisa de decidir o que dizer à família. A verdade, naturalmente, seria revoltante ao ponto, talvez, do insuportável. Não se pode recriminar o médico que pretende resguardar a própria dignidade, pelo menos em se tratando de um bom médico, como a nossa personagem, que efetivamente é uma pessoa maravilhosa num dia infeliz. Mas não há família atingida que possa compreender isso. Eu não compreenderia.
Sempre ouvimos dizer que o erro do médico a terra cobre. E cobre mesmo, principalmente quando um protecionismo corporativista assegura que a verdade não venha à tona. Ficamos no campo dos infortúnios e ninguém é punido pelo sofrimento que provoca — seja o médico, seja o hospital ou o sistema que conduz as pessoas ao olho do furacão, sem condições de trabalho (profissionais da saúde) ou de atendimento (público).
Admitir a verdade poderia enterrar uma carreira e forçar o hospital ao pagamento de pesada indenização, sobretudo nos Estados Unidos, onde existe uma histeria indenizatória. Lá, qualquer imbecil que queime a língua num café quente servido na lanchonete consegue encher os bolsos. E não, não é força de expressão: isso acontece de fato. Procure se informar sobre o Prêmio Stella Awards e saberá do que falo.
Qual seria, então, o papel da Gerência de Riscos e dos advogados do hospital? Minimizar os fatos? Distorcê-los? Encontrar uma versão plausível que excluísse totalmente a possibilidade de culpa? Algo do tipo "o procedimento foi correto e a dosagem também, mas o paciente reagiu mal, provavelmente por alguma predisposição orgânica própria, impossível de prever".
Confesso que isso é assustador, pois nos inviabiliza qualquer possibilidade de defesa. Sempre que um médico for me dar uma explicação, agora, algo em mim se perguntará: terá ele falado, antes, com a Gerência de Riscos?
Qual o limite ético entre os fatos e o que se diz aos interessados? É correto minimizar os acontecimentos? O correto não seria sempre informar a verdade, fosse qual fosse?

PS — A propósito, quanto você acha que uma clínica americana, no Arizona, pagará a uma senhora de 67 anos e portadora de câncer, por tê-la esquecido dentro do tomógrafo durante horas?

PS2 — O jornal O Liberal de hoje noticia que um idoso de 65 anos morreu no Hospital da Divina Providência, em Ananindeua, no último dia 11, e a família está acusando erro profissional. Para ela, Luiz Charlet de Queiroz era alérgico a Dipirona e Buscopan e sua morte teria sido causada por um choque alérgico ao ser atendido naquela casa de saúde. A direção nega e alega que o paciente teve uma parada respiratória decorrente de seu próprio quadro de saúde, em nada relacionado a qualquer medicamento que lhe tenha sido ministrado.
Não faço nenhum juízo de valor. Apenas comparo este caso verídico com o do exemplo por mim citado, comprovando, a meu ver, a plausibilidade de minha inquietação.

2 comentários:

Unknown disse...

Ótimos posts, Yúdice,este e o anterior. Erros e/ou crimes não podem ser dissociados de seu contexto.
Abs

Yúdice Andrade disse...

Sempre uma honra recebê-lo em minha humilde casa, Juvêncio. Ainda mais me dando um reforço desses. Abraço.