sábado, 27 de outubro de 2007

Enfim, Tropa de elite

Atrás de mais de um milhão e meio de pessoas pagantes e sabe-se lá quantas aproveitando a pirataria, vi esta noite o polêmico Tropa de elite. E adorei. Considero um filme muito bem realizado, merecendo o diretor José Padilha todos os elogios por seu trabalho vigoroso, convincente e verossímil. Podem dizer o contrário: não sou crítico, apenas um espectador. Adorei. E, sim, Wagner Moura arrasa.
Admito que, vez em quando, os diálogos soam um pouco didáticos e até mesmo algo panfletários. Mas é tão pouco que não compromete em nada a qualidade do filme. Para mim, marcou a cena em que o Capitão Nascimento, com muita violência, explica ao boyzinho da Zona Sul que quem matou um sujeito não foi a polícia, e sim ele mesmo, indo ao morro para comprar droga. Há um acento panfletário quando ele diz que é isso que financia o tráfico. Não por não ser verdade: logicamente, é. Apenas linguagem. Creio que, na vida real, o diálogo seria em níveis menos escorreitos. Mas a mensagem é essa e não pode ser negada.
Não fosse a insistência dos bem nascidos em fazer merda, o tráfico jamais se teria tornado o que é.
Além disso, tenho que me sentir um pouco em casa, quando vejo uma turma de Direito discutindo o pensamento de Michel Foucault, em Vigiar e punir, obra que recomendo aos meus alunos.
Há muitas ideologias em Tropa de elite. E provavelmente vieram, de fato, de Elite da tropa, livro que originou o longametragem.
Há a ideologia do jovem pobre e idealista, que quer fazer a diferença no mundo e confia no sistema, porque ainda não o conhece.
Há a ideologia da patricinha politicamente correta, empenhada em ajudar meia dúzia de crianças pobres numa ONG, que só pode funcionar mediante acordos com os traficantes.
Há a ideologia da tropa de elite, que cultiva valores de honestidade, companheirismo e eficiência que deveriam presidir todos os setores da sociedade. Mas ela também cultiva um pragmatismo asfixiante e igualmente ideológico, de fins que justificam os meios. É horroroso ver. A tortura não deixa de ser tortura só porque o seu objetivo é nobre. Até porque, nobre por nobre, Hitler, Saddam Hussein e Slobodan Milosevic também estavam do lado certo (ênfase: segundo suas próprias convicções), para citar apenas três nomes conhecidos. Com uma mentalidade assim, perde-se o referencial de quem é bandido, suspeito ou possível informante. Todos são vagabundos. E é muito complicado ter esse rótulo imposto simplesmente porque a pessoa está na favela.
Não sei se podemos chamar de ideologia, também, a lógica do policial corrupto. Para sorrir, você tem que fazer sorrir. E isso vale tanto para deixar o traficante traficar, o bicheiro explorar o jogo, o cafetão sobreviver da prostituição alheia, como para conceder a um subordinado o sagrado direito às suas férias.
Esse é o sistema. Aquela entidade pútrida que parece servir, única e exclusivamente, para ser usada contra quem tente enfrentá-la ou, ao menos, questioná-la.
No filme, só quem não tem ideologia são os acadêmicos de Direito mostrados, a molecada de uma das melhores faculdades do Rio de Janeiro. A moçada bem vestida, radicada no Leblon, que odeia a polícia porque fora maltratada numa blitz, a caminho de Búzios, reduto dos endinheirados cariocas. Com sua visão exígua de mundo, restrita a consumo e badalação, que no máximo vai até um projeto de futuro estritamente pessoal, o universo das drogas é apenas uma curtição inocente. Vale até subir o morro e virar também traficante, repassando a droga aos colegas mauricinhos da faculdade, através do serviço de reprografia. Cabeças vazias, menos desprezíveis apenas que o caráter de seus donos. Daí que não senti a menor pena quando uma da turma levou um balaço na cabeça. Quem procura, acha.
Eu só quero saber, diz o Capitão Nascimento (já considerado heroi por muitos — o que, convenhamos, é uma sandice), quantas crianças ainda vão ter que morrer para um riquinho poder fumar um baseado. Panfletário ou não, é a mais pura verdade. E me causa horror pensar que eu deva dar tanta razão a um personagem assim, que executa sumariamente seres humanos, sejam eles de que espécie for.
Agora é deixar a poeira baixar e levar Tropa de elite para a sala de aula. Não só a minha, de Direito Penal, mas qualquer outra. Para discutir educação, perspectiva de mundo, sociedade brasileira e muito mais.

10 comentários:

morenocris disse...

Boa noite, Yúdice.

Tirando a Tropa...tenho um presente pra você no blog.

Beijinhos.

Vladimir Koenig disse...

É, Yúdice... Sinal dos tempos quando policiais sanguinários tornam-se heróis apenas porque são incorruptíveis. Não tenho dúvidas que o Estado deve ter o monopólio do uso da força (não creio ser possível combater a violência com flores). Contudo, o uso da força de ser feito apenas no limite do necessário. Ultrapassado esse limite, o Estado iguala-se ao bandido, por melhores que sejam suas intenções.
Abraços, Vlad.

Unknown disse...

O senhor é um fanfarrão, professor!

hehehehe

muito bom o filme. Só lembrei do senhor quando me deparei com o livro do Foucalt.

Yúdice Andrade disse...

Já fui lá, Cris. Muitíssimo obrigado. Eu tinha que fazer alguma coisa?

Vladimir, esse é o pensamento que precisa criar raízes na mente das pessoas, em especial dos agentes de segurança pública. Mas é difícil e o clima não é nada propício.

CT, menos meio ponto!

morenocris disse...

Bom dia, Yúdice. Sucesso na palestra.

O seu agradecimento é tudo!

CT...já estou ficando com pena de você.. rsrs..."fanfarrão"...ai.ai. como é bom ser estudante ! rsrs

Beijinhos aos dois.

Francisco Rocha Junior disse...

Yúdice, desculpa-me, mas não entendi a frase "até porque, nobre por nobre, Hitler, Saddam Hussein e Slobodan Milosevic também estavam do lado certo, para citar apenas três nomes conhecidos"...

Unknown disse...

hahahahahahahaha
0.5, senhor?

06 pede pra sair!

hehehe

Hudson Andrade disse...

Tem uma outra visão de Tropa de Elite no meu blog. Sim, eu estou vivo! Não tem diferente assim em certos aspectos.
Dá uma lida e se der, indica pro povo!
Ah! Divulgação básica: Exercício Nº 01: O Homem do Princípio ao Fim, de Millôr Fernandes, com a Companhia Teatral Nós Outros, direção de Adriano Barroso, dia 04 DE NOVEMBRO, 21 HORAS, Teatro WALDEMAR HENRIQUE. Ingressos a R$ 6,00, com meia para estudantes. Mostra paralela do Pará em Cena 2007.

Yúdice Andrade disse...

Cris, obrigado pelo apoio. E é verdade: alguns alunos não têm noção do perigo! Beijo.

Francisco, pus um itálico para enfatizar a expressão mas, já que ela permaneceu dúbia, fiz um acréscimo no texto. Não precisas temer pela minha sanidade mental.

Mano, acabei de ler a crítica. Estranhei, porque normalmente te demoras mais e dessa vez não parecias disposto a alongar a conversa. Quanto ao jabá, xá comigo.

Francisco Rocha Junior disse...

Evidente que não duvido, Yúdice. Só estou voltando à minha velha atividade de "ombudsman"... :)
Abs.