terça-feira, 30 de outubro de 2007

Possível ratada policial

Simone da Silveira, 31, e Vanderlei da Silva Maria, 28, largaram os seus filhos trancados em casa para ir à praia. O fato ocorreu no último domingo (28) no Município catarinense de Navegantes (113 km de Florianópolis) e teve como vítimas uma menina de 12 anos autista e seu irmão, de oito, que teria sofrido um choque elétrico ao tentar ligar um ventilador.

Acionada provavelmente por algum vizinho, a Polícia Militar deteve os pais assim que retornaram do passeio. Após prestar depoimento, foram liberados, mas acabaram indiciados pelo delito de abandono de incapaz, que tem pena cominada de seis meses a três anos de detenção (art. 133 do Código Penal).

É possível que o delegado de polícia tenha feito uma grande bobagem ao acusar os dois praieiros do delito em questão, se entendermos que esse tipo penal considera abandono como uma situação definitiva. Nessa hipótese, seria preciso que os agentes tivessem a intenção de relegar as vítimas à própria sorte, expondo-as a perigo, já que pela idade e condições pessoais não sabem prover à própria subsistência nem podem manter-se a salvo de perigos. No caso, é evidente que o casal pretendia reassumir o seu dever de cuidado assim que voltasse da farra, o que ilide o dolo de abandono.

Nessa hipótese, não haveria nenhuma figura do Código Penal passível de aplicação ao caso. Examinando o Estatuto da Criança e do Adolescente, particularmente em seus arts. 228 a 244-A, não me convenci de que haja crime nesse contexto, nem sequer a genérica previsão de "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento" (art. 232).

Há, contudo, outra interpretação: o delito poderia configurar-se desde que o tempo de separação física entre os adultos e as crianças fosse longo o suficiente para favorecer a ocorrência do perigo. Nesse caso, mesmo havendo a intenção de reassumir o cuidado, o período de desproteção seria alcançado pela norma incriminadora, o que estaria em consonância à natureza do tipo penal: de perigo.

Por maior que seja — e é — a irresponsabilidade desses pais, é possível que os mesmos não tenham cometido crime algum. Em todo caso, devem sofrer as implicações extrapenais previstas no ECA, já que descumpriram de modo grave (porém sem maiores repercussões) deveres inerentes ao dever que possuem. Possivelmente, mais um exagero policial.

3 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice ,mas não dá pelo menos pra dar uns tabefes nos dois????
Abs
Tadeu

Ivan Daniel disse...

É verdade, também entendo assim. O 'crime' seria moral.

Yúdice Andrade disse...

Eu daria, Tadeu. Com toda certeza. Era só não deixar a polícia saber.

Este não é o momento mais adequado para as pessoas te falarem de maldades com crianças, certo, Ivan? Como vai o filhão?