Cresci no bairro da Marambaia, no Conjunto Médici, considerado longe de tudo, mas que nos permitia uma coisa de que não se falava na época e que hoje seria chamada qualidade de vida. Os imóveis tinham boas dimensões, ao contrário dos ridículos apartamentos comercializados atualmente, caríssimos, e que prometem — pasmem! — "liberdade em 70 m2"! Ali havia nada menos que seis praças (há mais de uma década, sete), que funcionam como excelentes espaços de socialização.
Ainda hoje, no terraço da casa de minha mãe, olho a praça e vejo um monte de crianças brincando juntas, divertindo-se a valer, exatamente como deve ser. Sem as grades, os playgrounds internos e circuitos de TV. Ali as pessoas ainda se sentam em suas portas para conversar, ainda que a insegurança já tenha alcançado aquelas bandas há muito tempo.
Na infância, eu usava aquelas ruas e a pracinha para brincar de pira, dos mais variados tipos. Também se brincava de boca de forno, amarelinha, queimada (ou cemitério) e o famigerado garrafão, do qual nunca participei. Os adolescentes juntavam seixos para jogar bole-bole, em que jamais tive sucesso devido a minha coordenação motora ruim. Também fez sucesso a adedonha, que então chamávamos de cavalinho, e que quando jogamos hoje em dia substituímos as frivolidades por conhecimentos científicos e personalidades históricas. Sem falsa modéstia, eu sempre ganho.
Em certo ano, o bambolê fez bastante sucesso. Depois veram as adoletas da vida e a cama de gato, que meu irmão — quase 5 anos mais velho — pacientemente tentava me ensinar.
São lembranças doces, que nos põem um sorrisinho no rosto. Dá vontade de ver as crianças metidas nessas brincadeiras de outrora, em vez de saírem de casa, aos 5 anos, de batom, bolsa, sapato de salto e cabelo na chapinha. Deprimente. Dá saudade das cantigas de roda cujas letras, hoje, quase nenhuma delas conhece porque o RBD não gravou nem faz parte da trilha de High School Musical. Dá saudade do caminhão que eu puxava por um barbante depois do banho tomado às 16 horas sem erro, com o qual eu brincava entrando em casa de novo antes de escurecer, sem que ninguém precisasse chamar. Até o calor, naqueles anos, era menor.
Perguntaram-me do que eu sentia saudade. Está respondido. Espero, no futuro, poder permitir um pouco dessa fantasia para o meu filho. Que ele viva num mundo um tantinho menos mecânico, artificial e enlatado.
5 comentários:
Pois é...ele também me fez a mesma pergunta. Respondi lá...e vou falar aqui ainda, porque saudade já faz parte de minha identidade. Tipo assim: Identidade, CPF, Estado Civil, Estado Sentimental...
Sabes Yúdice, penso assim. Somos uma grande casa, sempre digo isso, e acho que direi...direi...muito grande. Temos vários compartimentos. Às vezes, e concordo até que seja permanente, não nos permitimos conhecer os seus variados cômodos. A saudade é uma das portas. Aliás, a visito constantemente. Por que? Somos feitos do "fazer" ! E quando não "fazemos" outras portas vão se abrindo, como em um labirinto. Caminhamos, abrindo as portas do por que não fiz isso?, por que não fiz aquilo?, por que deixei de fazê-lo?...esses porquês nos trazem de volta à porta principal: a saudade ! Ao objeto do desejo, para nos sentirmos melhores, amadurecidos. A saudade é um grande aprendizado. Trago-a sempre comigo. Sempre que pensamos em determinada coisa, digo, em termos atitude, a mente nos abre imediatamente essa porta. A nossa casa é fantástica. Tudo é automático! O maravilhoso é que o desconhecido já sabe que será saudade!
Beijos.
Bom domingo.
Que texto lindo, Cris! Ainda mais porque exprime algo em que realmente acreditas. Já escutei uma abordagem assim, feita por uma psicóloga durante uma sessão de terapia. Agora tu deste graça e um colorido poético. Que melhor expressão para a saudade do que a poesia?
Yúdice, a Cris tá cusca mesmo!
Mas faltou lembrares da "bandeirinha", da peteca, do "fura-fura" (ou "assassino") e da bola na rua. Isto tudo fez parte da minha pré-adolescência.
Mesmo minha infância e o início desta mesma pré-adolescência, que passei fora de Belém, tinham a magia da guarda baixa, da quase inocência, da segurança e do que, como bem disseste, hoje convencionamos chamar "qualidade de vida". É um tempo que, infelizmente, não creio ser possível retornar. Só se o mundo - e com ele tudo que chamamos de civilização - mudar muito. E o triste é que vivemos isto; ou seja, toda esta realidade apagada não tem mais que vinte ou trinta anos.
Caramba , há um menino , há um moleque nos corações de vcs
Beijos nos 3
Tadeu
E vão escrever bem assim nos meus cadernos ( de pauta )
Francisco, eu sabia que estava esquecendo coisa importante, mas sabes como é: nunca lembramos algo no momento em que precisamos lembrar. Mas aí tenho a ti para ampliar os horizontes do meu texto. Valeu.
Sem dúvida, Tadeu. Um moleque bastante levado. Que um dia, se Deus quiser, há de ensinar o filho a subir em árvore, a voltar para a bicicleta após esfolar o joelho e coisas assim.
Postar um comentário