domingo, 14 de outubro de 2007

A velha histeria provinciana

História confirmada por pessoas que presenciaram o ocorrido. Não sei nem quero saber quem são os envolvidos. Limito-me a narrar os fatos e a deixar minha impressão.

Na última quarta-feira, cidadão, desses que se julga rico e poderoso como um protagonista de novela global, chega à Igreja de Santo Alexandre, onde sua filha se casaria na noite seguinte, e encontra o palco de uma das estações do Auto do Círio armado em frente — como todos os anos, diga-se de passagem. Surta. Sai ligando para Deus e o mundo, até alcançar os produtores do espetáculo. Exige que o palco seja desmontado porque ele está pagando 6 mil reais pelo aluguel da igreja! Considera muito fácil desmontar e remontar a estrutura. Atrás dele, aos berros, a noiva maldiz a sua sorte. Exigências palacianas e uma ameaça de conseguir a dispensa de quem autorizou a montagem do palco.

Pessoas da produção perdem seu tempo explicando ao nobre por que é difícil mexer na estrutura do palco, por onde tinha que passar todo o sistema de som. Não dava para simplesmente desmontar. Prometem até não ensaiar naquela estação na hora do casamento. Fosse eu, lembraria ao mancebo que o aluguel foi da igreja e não da rua, que continua sendo pública, mesmo na capital mundial do egocentrismo, Belém do Pará. Eu o teria mandado queixar-se ao bispo, até porque este anda muito ocupado e, tendo juízo, não deixaria suas obrigações por causa de gente que se acha.

A despeito da fúria da nobreza, o palco ficou. Mas foi todo pintado de branco na quinta-feira e, no dia seguinte, retornou ao preto, como deve ser.

Não sabemos se a moça que autorizou a montagem do palco na via pública já foi penalizada por fazer o seu trabalho sem adivinhar as necessidades dos vips locais. Só sabemos que o castigo veio a galope: quinta-feira à noite, a noiva se aproxima numa limusine antiga. Apesar de certamente ter custado caro, o automóvel prega — isso mesmo, sofre uma pane — na esquina da queimada ex-loja da Bechara Mattar. A noiva dá um novo pití e, para chegar à porta do templo, precisa ter sua carruagem empurrada. Adivinhe por quem? Pelo pessoal que estava ali para ensaiar o auto.

Parece brincadeira, mas é verdade. E eu não teria movido uma palha para tirar esse carro do lugar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Tão Belém, tão Pará, tão Brasil...
Mudando de assunto, Dol o que achas das atitudes "performáticas" das imagens religiosas que representam a fé católica (não sou contra as religiões, muito pelo contrário), adotadas pelos clérigos? Nazaré veio ser apresentada aos fiéis em show de luzes na Basílica para mostrar seu manto "real". Aparecida veio descendo de rapel, para espanto e júbilo dos fiéis na catedral de Aparecida. Defendo as crenças religiosas, mas aproveitar-se de fervor religioso para patrocinar egos inflados de alguns religiosos para mostrar seu poder em arregimentar rebanhos de novos cordeiros é demais. Acho um ultraje para com a devoção dos fiéis verem sua fé ser transformada em shows pirotécnicos. Não sou católico, bem como não pactuo com certos ritos, mas e daí? Não posso questionar o que fazem com os símbolos religiosos, e que acabam sendo motivos de pilhérias? É triste; eu que acho lindo e forte o sentimento religiosos de um povo, ao demostrar sua fé, e ao mesmo tempo ver uns patéticos cidadãos decidirem o que deve ser mais bonito para aparecer na Tv no próximo ano, para atrair mais turistas-fiéis. Acredito que já chegamos ao exagero. Temo que ano que vem a berlinda emita raios laser, com show de luzes para a trasladação e durante o dia ela se transformar em carro alegórico, subindo e descendo como uma alegoria de Joãozinho Trinta. Triste. Feliz Círio a todos.

Anônimo disse...

Oi, Yúdice, td bem? Tô voltando à blogosfera, devagar e sempre. Sobre o post acredito que a vida é pura ação e reação. Espero que o ocorrido tenha ao menos levado os "nobres" personagens à algum tipo de reflexão.
Bjs!
Lu.

Yúdice Andrade disse...

Marcelo, meu querido, não sou de todo contrário a essas manifestações. Já tomara conhecimento do rapel em Aparecida, que se completa com o show de luzes, aqui. Em si mesmo, não há problema, se não houver excesso, ou seja, se isso não representar uma perda do sentido religioso, em favor de questões menores, como animar turistas, p. ex.

Até que enfim, Lu! Alvíssaras. Bem vinda de volta e esteja sempre por aqui.