domingo, 28 de outubro de 2007

Os livros e nós

A faculdade em que leciono realizou a Semana da Biblioteca. Montou um pequeno stand na entrada e exibiu... livros destruídos. Isso mesmo. Havia livros inteiros para mostrar, mas acho que a mensagem mais importante era passada por aqueles que se encontravam destruídos.
Páginas riscadas são a menor das infrações. Algumas pessoas não sabem estudar sem riscar o papel. Tudo bem, se o livro for seu. Mas se pertencer a outrem, é falta de educação. Se foi feito sem pensar, é leseira. Se foi feito por indiferença, é menosprezo pelo outro. Se foi feito por maldade, é mau-caratismo.
Quanto às páginas rasgadas, não tem desculpa. É vigarice, pura e simples.
E o que dizer dos capítulos arrancados? O aluno não leva o livro, por algum motivo, mas leva a parte que lhe interessa. E que, após o suposto estudo, será devidamente atirada ao lixo, não servindo a mais ninguém. Quem faz isso é um crápula odioso e merece severas punições.
Recordo-me de ter passado anos de minha vida tentando ler o conto "A máscara da morte rubra", de Edgar Allan Poe. Certo dia, passeando pelas prateleiras da Biblioteca Central da UFPA, encontrei uma coletânea de Poe. Ávido, fui ao índice e lá estava! Maravilhado, escolhi um lugar sossegado para me sentar e realizar o pequeno sonho. Qual não foi o meu espanto ao não encontrar a página indica no índice! Aquele conto, exatamente ele, fora roubado! O termo "roubo" não se aplica, mas o utilizo porque o senso comum consegue compreendê-lo como expressivo de violência. Perplexo, senti-me violentado. E não como cidadão pagador de impostos, não. Senti-me pessoalmente violentado.
Lá na faculdade, 11 em cada 10 alunos reclamam da biblioteca. Dizem que os livros são poucos e defasados. Há muito de verdade nisso. Assim como também é verdade que, quando nós, professores, pedimos alguma obra, ela é comprada. Assim como é verdade que isso não pode justificar atitudes desonestas, tais como roubar capítulos do livro de consulta, porque os demais estão emprestados.
Aliás, se os livros estão emprestados há tempos, isso também se explica pela falta de respeito. Se estou com um livro da biblioteca, sei que tenho um prazo para devolvê-lo e só posso prorrogar o empréstimo se mais ninguém tiver procurado a obra. Aí o que fazem certos alunos? Preferem pagar a multa, que me parece baixa, a colaborar com os colegas. Individualismo até a raiz dos cabelos.
Na última sexta-feira, um funcionário da biblioteca esteve em minha sala de aula me mostrando um Código Penal no qual um moleque — o termo é esse, mesmo, para ser educado — colou papeis contendo a matéria da prova. Ele colou suas "colas" (desculpem a frase tosca) em pleno código, para não correr o risco de escorregarem durante o uso! Ele destruiu o livro para garantir o sucesso de sua fraude, de sua mediocridade!
Detesto fazer o papel de babá dos meus alunos. Recuso-me. Sempre digo que vou revistar os códigos — que sempre podem ser consultados durante a prova, por causa da legislação —, mas acabo não o fazendo. Quero acreditar no senso de responsabilidade. Pelo visto, serei obrigado a me violentar e dar uma de babá, da próxima vez.
Irei à biblioteca tentar identificar, por uma lista de nomes, o provável patife que destruiu aquele código. Espero conseguir. E espero que, doravante, haja empenho de todos os professores, em apoio aos esforços da biblioteca, para identificar essas faltas e puni-las. Severamente.

5 comentários:

Anônimo disse...

Acho que a falta de cuidado com o livro começa nos primeiros anos de estudo, os livros atualmente são descartáveis, as crianças, pintam, copletam, iluminam, fazem de tudo no livro didático, portanto crescem com a ídeia de ter que riscar para chamar atenção de um determinado parágrafo, conceito ou qualquer outroque queiram destacar. Alguns vem também com serrilha para serem destacados.
Ai começa a falta de cuidado com o que é de mais precioso para o conhecimento, cultura e aprendizado.
Quanto ao vandalismo não há desculpa.

Unknown disse...

A gente, falo em nome do CADOM (centro acadêmico Otávio Mendonça), demos essa idéia para a Aline Chamié. Ela ficou de encaminhar pra reitoria. Não sei se isso é influência de um de nossos "sugerimentos" (como diz o brinhante(?) Dunga), se for ou não, ótimo atitude. Só que sou a favor de uma fiscalização maior em relação aos livros novos (os antigos impossibilitam essa fiscalização pois estão deveras danificados).

morenocris disse...

Boa noite, Yúdice.

Recordo-me de sua alegria quando encontrou no blog o Poe, lembra-se? Fiz um post especial sobre o escritor e estava lá, "A máscara da morte rubra".

Acho que tudo passa pela punição. No rigor. Para cada livro devolvido danificado, riscado, rasgado, etc...a compra de um novo exemplar, além de multa pesada em dinheiro e suspensão. Infelizmente o chicote tem que servir para alguma coisa.

Temos que aprender, desde criança, que tudo tem seu valor, mesmo que não seja de nossa propriedade. Temos que absorver o conceito de que tudo passa pela educação! Temos que receber ensinamentos para sermos cuidadosos. Temos que ter sabedoria para reconhecer o egoísmo como um sentimento perverso. Temos...temos...mas não fazemos! E não aprendemos!

O livro é uma das maiores invenções do homem. E será sempre !

Beijos.
Está acabando o domingo.

Frederico Guerreiro disse...

Logo no meu segundo semestre no curso, tive de fazer um trabalho em dupla com uma colega. Para isso pegamos um livro na biblioteca, para consultá-lo na hora da tarefa avaliativa. Grande foi a minha suspresa e espanto ao vê-la riscando a caneta os trechos de que precisávamos. Passei-lhe o sermão ali mesmo. E olha que era uma 'senhora', mãe de família, não mais uma adolescente. Ela se saiu com o argumento mais esdrúxulo, disse-me que o livro estava na 'conta dela' e que eu não tinha motivos para me estressar.
Muitos sabem como eu sou, meu caráter e personalidade. Daí, tirem suas conclusões do que devo ter dito à ignorante mulher.
Não nos falamos até hoje, quase quatro anos depois. Eu até já poderia tê-la perdoado pela agressão que fez a mim e ao livro. Porém jamais demonstrou qualquer sinal de reconciliação e de reconhecimento de seu erro. O importante era o superego dela, que não admitia ser repreendida em qualquer circunstância (aliás, tem muita gente 'eutista' ali dentro). Sua empáfia demonstra o seu não-arrependimento.
Agora cada vez que eu vejo um livro com as páginas riscadas, adivinhe de quem eu me lembro? Será que perdoei? Pode até ser que isso ocorra algum dia. Podemos até ser amigos algum dia. Mas a cicatriz moral estará lá no fundo de minhas experiências sociais para lembrar-me. Ela só se apagará ou entrará para o mundo do passado ao custo da humildade explícita da obreira.
Todos somos capazes de perceber quando as ações denotam um pedido de desculpas.

Yúdice Andrade disse...

Ana Paula, trouxeste uma contribuição valiosa, uma perspectiva sobre a qual eu não pensara: que a apresentação dos livros às crianças é feita de forma a induzi-las a pensar que são produtos materialmente consumíveis. Depois crescem e repetem, até inconscientemente, o que aprenderam. Faz sentido.

CT, é bom contar com o apoio dos alunos, porque a grita pode ser grande. Estou a fim de radicalizar.

Lembro-me, sim, Cris. Mostra a nossa sintonia, inclusive quanto ao pensamento revelado no teu comentário.

Fred, por favor não me conte quem foi. A mim basta saber que temos mais um aluno empenhado pela boa causa.