quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Pela pureza sexual


Infibulação ou, eufemisticamente, circuncisão feminina. É o nome que se dá à prática de extirpar o clitóris e os lábios vaginais, uma tradição em pelo menos 29 países africanos e asiáticos, que a adotam desde a Antiguidade como forma de garantir a pureza sexual das mulheres. E só das mulheres, porque não existe, que me conste, uma mutilação física correspondente para os homens.
Em pesquisa realizada em 2005, levantou-se que nesses países 97% das mulheres casadas eram mutiladas, o que significa 29 milhões de criaturas. Todavia, a Organização Mundial de Saúde estima a bagatela de 150 milhões de mulheres nessa condição, além de não vislumbrar tendências de queda, já que diariamente 8 mil meninas são mutiladas. A questão é que, como toda tradição que se preze, ela é repetida com a convicção de sua necessidade, mesmo por quem acaba vitimizado por ela. Por isso, quando em junho deste ano a prática foi tornada ilegal no Egito — 15º país a aboli-la —, dois quintos das mulheres protestaram. Afinal, acreditam que o clitóris leva as mulheres à perda do controle sexual, motivo pelo qual as não mutiladas têm poucas chances de casar. Acredita-se, ainda, que o clitóris possa ser uma ameaça para o pênis, durante o sexo, ou para o bebê, durante o parto!
Como tudo que é ruim sempre pode ficar pior, vale ressaltar que esse ritual de passagem é realizado nas piores condições, às vezes por várias mulheres simultaneamente, que agarram a menina e a atiram no chão, cortando-a com lâminas imundas, cacos de vidro ou pedras. Após, costuram-se as bordas de qualquer jeito, deixando apenas um pequeno orifício. Daí que o risco de infecções é imenso. Além delas, dificuldades para urinar e copular, no parto e até mesmo na menstruação. Além do trauma psicológico.
Segundo a revista Superinteressante deste mês (outubro/2007, n. 244, p. 45), a somaliana Waris Dirie foi mutilada aos 5 anos de idade e fugiu de casa. Conseguiu chegar à Inglaterra, onde se tornou modelo internacional. Há 10 anos, expôs a sua verdade e se tornou embaixadora da ONU pela proscrição no mundo dessa prática abominável. Sua luta influenciou os 15 países que já proibiram a infibulação.

Waris Dirie: autora do livro Carta a minha mãe, onde combate a mutilação genital feminina

Respeito tradições e as considero necessárias para dar identidade a um povo. Contudo, acredito que a humanidade muda e precisa adaptar-se aos novos tempos. Não fosse assim, a escravidão existiria até hoje e muita gente ainda enterraria empregados domésticos, vivos, junto com os patrões. O que viola o sentimento de humanidade não pode persistir por causa da simples autodeterminação dos povos. Não podemos aceitar, minimizar e muito menos conviver com o obscurantismo.

Para saber mais, leia este texto, escrito por uma médica residente na Costa do Marfim, que contém um interessante relato de caso, centrado na força da tradição.

Acréscimos em 18.9.2011

  • Ao considerar a expressão "circuncisão feminina" um eufemismo, considerei que a circuncisão, nos homens, nunca é uma prática incapacitante. O prepúcio extirpado não faz a menor diferença na vida do homem e até se lhe reconhece uma utilidade, porque facilita a limpeza e resolve o problema de fimose (estreitamento do prepúcio, impedindo a exposição da glande). Ou seja, só ganhamos. Já no que tange às mulheres...
  • Waris Dirie foi mutilada aos 3 e não aos 5 anos.

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

A história de Waris Dirie foi publicada em uma edição especial de "Grandes Seleções" da Revista Reader's Digest, em formato de livro. Se eu conseguir me lembrar para quem foi que eu emprestei, peço de volta e te empresto. É uma das histórias de vida mais impressionantes que eu já li.
Vale a pena conferir.

Unknown disse...

o link que te falei professor...
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9022

;)

Yúdice Andrade disse...

Fiquei muito curioso, mesmo, Fred. Antecipadamente agradeço.

Valeu pelo link, CT.