No último dia 3 de fevereiro, o deputado federal Dr. Talmir (PV/SP) protocolou projeto de lei (PL 4580/2009) que tem a finalidade de suprimir, do ordenamento jurídico-penal brasileiro, o instituto da prescrição. Dispensável transcrever o texto integral da proposição, porque ela se limita a eliminar, do Código Penal, todas as referências à prescrição.
No entanto, a justificativa apresentada pelo parlamentar para o seu polêmico projeto é a seguinte:
A prescrição penal é “perda do poder-dever de punir do Estado, pelo não exercício da pretensão punitiva ou da pretensão executória, durante certo tempo”, no dizer de Damásio E. de Jesus. Isto quer dizer que o Estado perde o direito de ver satisfeitos os dois objetos do processo penal.
No ordenamento jurídico penal brasileiro, a prescrição é a regra. No entanto, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, criou dois casos em que as pretensões punitiva e executória não são atingidas pela prescrição: são os previstos nos incisos XLII e XLIV. O que nos importa aqui, no entanto, é que não há proibição constitucional de que se adote a imprescritibilidade a outros crimes.
Se a prescrição é a regra no ordenamento jurídico, como dissemos, na vida real a regra é a impunidade. E é no sentido de evitar a impunidade que propomos a extinção da prescrição penal, esse instituto que coloca o tempo ao lado e a favor do criminoso.
Portanto, pelo exposto, conto com o apoio dos membros desta Casa, para que venhamos a aprovar esta proposição.
Vamos conversar a respeito.
2 comentários:
Existem duas possíveis justificativas para a prescrição penal: a primeira é moral e diz que o indivíduo não pode estar para sempre sujeito à ameaça de ser punido por certo ato particular, pois isso implicaria numa eterna expectativa de punição que comprometeria seu direito à segurança; a segunda é funcional e diz que o aparelho persecutório estatal não pode estar para sempre ocupado com a investigação e a punição por certo ato particular, pois isso implicaria uma sobrecarga que comprometeria seus recursos e sua eficiência.
Acredito que a referida proposta precisa ser discutida em contraste com essas duas justificativas. Além disso, como ela vem lançada com intuito de combate à impunidade, é preciso ver se ela é ou não um meio eficaz para resolver ou mitigar esse problema.
Vou tentar resumir minhas posições sobre cada um desses pontos:
1 - A prescrição representa uma supremacia do direito do indivíduo sobre o da sociedade. O indivíduo que comete o delito se expõe ao direito do Estado de punir, mas tem, por sua vez, o direito de só ser punido sob certas condições, das quais a mais importante é o devido processo legal (DPL), mas que incluem também o decurso de certo prazo máximo durante o qual pode ser punido. Estas condicionantes do direito de punir seriam proteções à segurança do indivíduo. Contudo, quando se comparam o DPL e a prescrição, notam-se importantes diferenças. Enquanto o DPL protege o indivíduo de ser punido por algo que na verdade não tenha feito ou sob regimes mais gravosos que aquele que merecia, a prescrição o protege de ser punido por algo que ele na verdade fez, embora há muito tempo, e sob o regime que ele na verdade merecia. O DPL o protege da punição injusta, mas a prescrição o protege da punição justa. Ora, por que motivo alguém teria o direito de ser protegido da punição justa? Parece impossível defender um tal direito em termos morais. Contudo, é possível elaborar um argumento moral em favor desse estranho direito. É que uma vez que a punição moderna é predominantemente preventiva, e não retributiva, preocupando-se, então, mais com a possibilidade de delinquir futura que com o ato de delinquência passado, o fato de o indivíduo ter cometido um delito no passado remoto, mas ter estado por um longo período de tempo sem cometê-lo novamente (afinal, lembremo-nos, a prescrição só o livra da persecução pelo crime cometido há muito tempo, e não pelos possíveis crimes iguais ou maiores que tenha cometido desde então até agora, de modo que só lhe assegura impunidade na hipótese de que não tenha mais delinquido desde lá), funciona como um indício de que ele não representa mais uma ameaça para a sociedade. A chamada prevenção específica (o propósito de prevenir que o mesmo indivíduo volte a cometer o mesmo delito, ou outros) se satisfaz com esse argumento, embora fique pendente saber como ele se harmoniza coma chamada prevenção geral (o propósito de que outros indivíduos não cometam o mesmo delito ou outros), já que a expectativa de impunidade após certo tempo poderia, em princípio e em teoria, ter certo efeito estimulante sobre a delinquencia. Mas aqui o fato de o decurso de tempo necessário para ensejar a prescrição penal ser relativamente longo parece afastar a idéia de que uma impunidade que só se conquista após um longo período (em que se tem que conviver com a expectativa cotidiana de poder, sim, ser punido) gere algum estímulo à delinquência. Assim, parece-me que o melhor argumento moral em favor da prescrição não é o velho e vago argumento de que o indivíduo não pode ser submetido para sempre à expectativa de punição, mas sim o argumento, mais elaborado e específico, de que ele não pode ser submetido à punição quando o fundamento preventivo dessa punição, em vista do longo período sem novas delinquências, já não demonstra razão de ser. Em contraste com essa justificativa moral, a proposta de pôr fim à prescrição penal seria um passo atrás numa direção retributivista, o que não é nenhuma surpresa em vista da alegada justificativa de combate à impunidade, bastante típica do discurso retributivo, tanto na faceta retribuição-justiça quanto na faceta retribuição-vingança.
Como esse comentário já está se estendendo demais, depois dou continuidade a ele, examinando os demais argumentos relacionados à prescrição e à referida proposta. Além disso, Yúdice, peço permissão prévia para citar a sua postagem numa futura postagem do meu blog sobre o mesmo assunto, usando, inclusive, alguns dos argumentos que coloquei aqui nos comentários. O assunto é realmente instigante do ponto de vista penal. Eu, que não tenho experiência como professor de direito penal, que não tenho, aliás, nada a ver com a sua cadeira nessa disciplina, sugeriria humildemente que você pensasse em incluir essa proposta como tema de estudo e de debate no seu semestre introdutório, pois ela permite levantar e discutir vários dos elementos mais instigantes da teoria da pena.
Fiz um primeiro esboço da discussão no meu blog. Se puder, dê uma olhadinha e, se não for pedir muito, deixe um comentário. Abraço, amigo!
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