Sem dúvida, o Deputado Biscaia será aclamado pela iniciativa que teve. Criminalizar os flanelinhas! Enfim alguém sacia um dos grandes anseios da classe média brasileira. [Ei, anônimo, estou falando da sua querida classe média de novo!]
Sou motorista e enfrento o problema em questão. Sei, também, que em outras cidades a categoria é bem mais violenta e mobilizada do que em Belém (felizmente). Aqui, há lugares (como os arredores do clube social mais social que temos) em que os flanelinhas entregam aos motoristas um papelzinho informando que a taxa de serviço é de 5 reais! Mas nunca soube de isso ser cumprido pela população nem de ter gerado maiores problemas. Por aqui, ainda não chegou a moda do pagamento antecipado obrigatório — a menos que isso ocorra em algum lugar que não frequento.
Mas deixemos de lado a satisfação que a classe média sentirá por se ver livre de tão grande aborrecimento. Tratemos do assunto como se deve.
O projeto de lei é péssimo. Motivo: como tantos outros exemplos legislativos, ele ataca a exteriorização do problema, ignorando as suas causas. Concordo que a atividade dos flanelinhas deve ser coibida, mas a forma correta é através da atuação do poder público. Como em diversas outras situações — desde os perueiros e mototaxistas até o narcotráfico —, atividades inconvenientes ou nocivas só se tornaram os problemas que são devido à omissão criminosa do poder público. Se este não deixasse o vácuo, as ruas não teriam sido tomadas.
Agora que a bagunça está feita, a solução buscada não chama o poder público às falas, limitando-se a baixar o sarrafo no próprio flanelinha. E a mídia cumprirá o seu papel de tratar a todos como delinquentes, indistintamente, tese altamente palatável à massa pensante brasileira.
O Direito Penal moderno ensina que uma das características dos movimentos de lei e ordem é a insistência em criminalizar segmentos sociais alijados da renda. Trata-se do uso político do Direito Penal contra aqueles que não têm acesso aos centros de decisão. E a História está aí para provar isso. Uma das razões históricas para o surgimento da pena de prisão foi a imensa população miserável na Europa da Revolução Industrial. Quando a quantidade de miseráveis se tornou grande o suficiente para que não se pudesse matá-los, pois seria um extermínio em massa, a solução foi encarcerá-los nas chamadas instituições totais, onde poderiam ser controlados o tempo inteiro. Nessas instituições, os detentos tinham que trabalhar (era uma forma de profissionalizá-los, mas não tenho notícias de eles auferirem algum ganho com isso) e eram submetidos a uma rigorosa disciplina. Ser pobre era uma espécie de falha de caráter. Histórias como Oliver Twist (o livro e suas versões cinematográficas) demonstram isso: as crianças eram tratadas como delinquentes, mas eram apenas órfãs e não tinham a menor culpa disso.
A finalidade de um projeto de lei como este (e olha que Biscaia é do PT! Para onde foram as tais lutas populares?) é transferir a responsabilidade, p. ex., das prefeituras (que administram o espaço urbano) para as polícias, porque estas têm uma função especificamente repressiva e tratarão a questão no cassetete, na algema e no revólver, fazendo a higienização das ruas. E todos se regozijarão. Menos os sensatos, é claro. Pois os sensatos sabem que para todo problema difícil há uma solução fácil, que é a solução errada. Se conseguíssemos retirar os flanelinhas dessa atividade, ainda assim teríamos centenas de pessoas precisando sobreviver por algum meio. O final dessa história já sabemos qual é.
O projeto trata o crime em questão como uma espécie de extorsão indireta, crime previsto no art. 160 do Código Penal, e contempla quase a mesma pena: 1 a 3 anos, só que de detenção, além de multa. Uma pena mais pesada do que a do abandono de incapaz (6 meses a 3 anos de detenção) e dos maus tratos (2 meses a 1 ano de detenção). Isso revela muito sobre as intenções do legislador.
Portanto, antes de comemorar, deveriam os incautos pensar nas consequências da implementação da medida. Porque nada indica que teremos dias melhores desse jeito.
13 comentários:
Caríssimo Professor,
Perdoe-me a sinceridade, mas suas palavras obviamente dirigidas a mim têm cara de provocação, e das ruins. Daquele tipo feito por moleques de colégio que chamam o outro pra briga. Aquele clássico "corre dentro", sabe como é? Não é a primeira vez que o senhor atira ironias para cima de mim. Da minha parte, não estou sendo irônico quando lhe digo para tirar o ódio do coração. Falando francamente, por isso não me senti à vontade para levar adiante aquele debate que se iniciou no seu outro post. Iria acabar dando em bate-boca e eu não gostaria disso. Deixaria de passar por aqui porque passaria a antipatizar com o senhor, o que é algo que eu não pretendo.
Por isso, digo que não é minha intenção brigar, creia. Nem na minha época de carteira de colégio, que nem faz tanto tempo assim, eu gostava dessas coisas. Sou pacífico. Uma “moça”, como se costuma dizer.
Indo ao nosso assunto, o senhor conhece essas palavras? Olhe só: "Eu pago, às vezes. Mas criei as minhas próprias regras: não pago para o cara que só aparece na hora da minha saída. Ele tem que estar quando chego e falar comigo quando desço do carro. Se me lançar apenas aquele olhar de obviedade, pode esquecer. E não pago se minha parada for rápida, segundo meus próprios critérios. Ou se eu tiver que fazer paradas em vários pontos da cidade.
Em síntese, pago nos locais onde precise ir com certa freqüência, para evitar que me reconheçam e danifiquem o carro. E isto é o suficiente para se concluir que pago por me sentir ameaçado. Logo, é extorsão."
Talvez não lembre, porque o senhor escreve muito e sempre. Caso não recorde, as palavras são suas, ao responder a comentário no post “Flanelinha comete extorsão?”. No mesmo post, o senhor diz ainda ser “pelo social”, mas afirma: “rejeito argumento pretensamente sociais (sic) que impliquem em deixar o cidadão comum - que também integra a sociedade - numa posição de coagido”.
Pois é, professor. Contraditório, não? Normal, é do ser humano. Mas pense nas suas contradições e nas causas delas. Talvez o senhor encontre o ódio, ou coisa parecida, ao qual me refiro.
Talvez o senhor não acredite, mas eu também sou pelo social. Mas, como classe média orgulhosa que sou, também me sinto cidadão. Exatamente como o senhor colocou no seu comentário. O cidadão comum (acho que o senhor quis dizer: a “classe média”) também é parte da sociedade. Por isso, eu não abro mão da minha cidadania por causa dos problemas sociais que o país possui. Faço minha parte, nas minhas áreas de atuação, mas também quero me defender das mazelas do Brasil.
Sou classe média com orgulho porque acredito na mobilidade social. Acredito que o modelo econômico no qual vivemos, apesar de evidentemente não ser perfeito, é o único que possibilita que alguém cujos pais nasceram muita abaixo da nossa tão falada classe média, nela hoje estejam inseridos, tendo aí chegado unicamente por seu próprio esforço. Sem depender de favores de ninguém.Sem extorquir ou maltratar seu semelhante. Sem roubar, seja do público ou do privado. Isto dá orgulho, o senhor deve saber.
Neste contexto é que lhe digo: sou inteiramente a favor do projeto do Biscaia. Até que enfim alguém está tentando diminuir algumas das mazelas do povo brasileiro (ou da “classe média”, que também é cidadã). Por que não legislar em nosso favor? Qual o pecado disto? Lembre-se que, segundo informações oficiais do governo Lula, a classe média foi aquela que mais cresceu nos últimos anos. Portanto, estamos falando de uma parte expressiva da população, que não pode ser classificada como “minoria”. Não é minoria, absolutamente. Não é mesmo. Ainda que fosse, mereceria ser respeitada do mesmo modo.
Concluo, falando sobre o social: não é mantendo flanelinhas nas ruas que modificaremos alguma coisa. A questão social existe, não é caso de polícia, mas também não justifica que se passe a mão na cabeça daqueles que estão inseridos em seu contexto, mas atuam contra outros cidadãos.
Por fim, para não fugir do meu bordão: tire o ódio do coração!
Um forte abraço.
Caro anônimo, finalmente você atendeu ao meu pedido e se manifestou. E foi uma boa manifestação. Agradeço por isso.
Mas para quem vive me dizendo para tirar o ódio do coração, você até que reagiu mal. Afinal, não me recordo das alegadas outras provocações de que me acusa. Pelo que jeito que fala, dá a impressão de que vivo espicaçando, o que não é verdade. Se houve outros momentos, por favor me informe, para minha própria advertência. Mas não valem as respostas anteriores, porque ali eu estava comentando, justamente, este nosso dissenso. E digo mais: não sou de repetir piada. Hoje fiz, de caso pensado, uma piada sobre o seu caso. Ela não se repetirá.
Considerando, sobretudo, a boa vontade que você declara, penso que podemos encerrar esta picuinha por aqui, não? Mas entenda: minhas críticas à classe média continuarão, quando eu julgar necessárias, e isso não terá nada a ver com você. Já expliquei as minhas razões. Pare de se sentir pessoalmente ofendido.
Quanto à suposta contradição que você aponta em minhas idéias sobre os flanelinhas (sim, obviamente eu me recordo do texto transcrito), é uma contradição apenas aparente. Entenda: uma coisa é o flanelinha me coagir a dar dinheiro, sob ameaça de danificar o meu carro. Isso é extorsão e ponto. Ratifico a postagem anterior. Mas não foi sobre isso que escrevi hoje. Não disse que flanelinha não comete crime. O que eu disse é que está errado criminalizar a atividade em si.
Continuo. Pelo projeto do Biscaia, mesmo que o flanelinha não me ameace, o simples fato de me dizer "aí, tio, posso dar uma olhada?" já seria crime. Note o verbo "solicitar". Baseado em periculosidade presumida, o que é outra sandice dos movimentos de lei e ordem. Ratifico, pois, que um projeto assim criminaliza quem já é socialmente marginalizado, o que é mais uma injustiça.
Dito isto, não há nenhuma contradição entre as minhas duas manifestações. Se o cara propuser o seu serviço, eu o recuso e pronto. Mas se ele me coagir - ainda que implicitamente (o Direito Penal admite as figuras de ameaça implícita, indireta e reflexa) -, cabe a extorsão, em tese. O que eu não posso é presumir.
Se esta explicação não está clara, avise, que eu posso fazer uma terceira postagem a respeito.
Abraços e abraços, sem mais confrontos.
O cara argumenta bem... tem um estilo provocador, mas não parte para a ofensa ou baixaria... por que se mantém anônimo?
Prezado Yúdice, eu estou achando que é seu alter-ego.
Abraço.
Criminalizar a conduta é um absurdo.
Mas não posso deixar de passar uma informação, que esclarece um ponto do início da postagem. Já há, aqui em Belém, lugares nos quais o pagamento é cobrado antecipadamente pelos guardadores de carro. Na verdade, não são lugares fixos, mas estão vinculados, pasmem, às tão mal faladas (sem conhecimento de causa) festas de aparelhagens.
Sei porque frequento.
"Acredito que o modelo econômico no qual vivemos, apesar de evidentemente não ser perfeito, é o único que possibilita que alguém cujos pais nasceram muita abaixo da nossa tão falada classe média, nela hoje estejam inseridos, tendo aí chegado unicamente por seu próprio esforço. Sem depender de favores de ninguém.Sem extorquir ou maltratar seu semelhante. Sem roubar, seja do público ou do privado. Isto dá orgulho, o senhor deve saber."
Em que mundo você vive? Realmente as pessoas ainda acreditam no conto de que TODOS PODEM?
Abraços!!!
Em que mundo VOCÊ vive, Jean Pablo? Grife a parte correta, por favor: "o modelo econômico no qual vivemos, apesar de evidentemente não ser perfeito". Não distorça meus argumentos, por favor. Meus pais são exemplo de mobilidade social, só possível no capitalismo. O presidente Lula também é. Isso não se pode negar ao capitalismo. Com OPORTUNIDADES, todos podem. É isto o que precisa ser aperfeiçoado. "Capici"?
Belenâmbulo, suspeito que se mantém anônimo porque é meu aluno e teme alguma represália. Obviamente, não me conhece o bastante. Tenho ótimo relacionamento com alguns alunos com os quais tive conflitos até bem chatos. Tudo é uma questão de saber conviver. Pessoalmente, sou muito menos difícil do que aqui no blog.
Das 21h05, eu imaginava isso, mas como não saberia confirmar, preferi fazer a afirmação e esperar alguma contradita, como a sua. Obrigado pela informação. A propósito, você não acha que isso reforça a má impressão que muitas pessoas têm sobre as festas de aparelhagens e suas relações com o crime?
Jean e anônimo, não briguem, meninos! Não me parece que os pontos de vista sejam inconciliáveis. Vejamos:
De fato, o capitalismo sustenta que todos têm oportunidades de crescimento, desde que trabalhe, se esforce, etc. Sabemos que isso não é verdade e que esse discurso foi empregado como ideologia para manter os trabalhadores satisfeitos com sua condição de assalariados.
Por outro lado, também é fato que o capitalismo permite a tal mobilidade social a que o anônimo alude, de um modo como o comunismo jamais permitiria. Mas destaco: o comunismo que efetivamente foi praticado no mundo. Nada impede que tenhamos modelos socialistas que não impeçam as pessoas de crescer e usufruir disso. Não poderia ignorar isso quando eu mesmo sou exemplo de pessoa que, tendo uma origem muito humilde, pude chegar ao ensino superior (público, destaque-se) e, por meio da profissão assim adquirida, ascender na pirâmide social.
Por isso, acredito que uma harmonização entre esses modelos seja possível, pois é essencialmente uma questão de escolha política.
No mais, anônimo, sabe em que mundo o Jean vive? Em Florianópolis, meu irmão! E eu morro de inveja...
Anônimo
Não distorci seu comentário de modo algum. Apenas pondero que da forma que colocaste nos leva a crer que batalhando qualquer um consegue ascender socialmente. O que de fato não é realidade. A mobilidade social é possível num sociedade não capitalista, obviamente se afastarmos a idéia de dualidade de classe de Marx, o qual simplificadamente divide entre proletários e burgueses.
Não temos espaço para todos serem donos de indústrias, empresários, ou seja, detentor da força produtiva, o que nos leva a crer que nem todos podem ser "patrões", por mais que trabalhe a vida inteira.
Yúdice, fique tranquilo, não estamos brigando, apenas discutindo de forma, até então (eespero que se mantenha assim), saudável. Não costumo usar ofensas ou agressões pois acabam fugindo da cerne do debate.
Abraços ao anônimo e ao Yúdice.
Pois é, professor, mora em Floripa mas não aprendeu nada... ou ele acha que o comunismo permitiria a produção de riqueza via turismo que faz a fama de Santa Catarina? Brincadeirinha, Jean Pablo... não seja "violento" como seu primo! rsrsrs...
Falando sério agora.
Geração de riqueza: este é o problema essencial do comunismo. Comunismo não permite geração de riqueza, condição sine qua non para sua distribuição. Não há concorrência e, em consequência, não há investimento em pesquisa, tecnologia, melhorias e briga por preços que geram riqueza e são o motriz das melhores condições para o usuário ou o consumidor. Também não se permite mobilidade social como é possível acontecer no capitalismo.
As injustiças do capitalismo é que precisam ser quebradas. Isto não é essencial no modelo. O neoliberalismo já provou que não é a melhor opção, mas o capitalismo não se resume ao neoliberalismo. Há necessidade de um pouco mais de presença do estado.
Um forte abraço em ambos.
P.S.: ao curioso de plantão, minha timidez não me permite assinar. Talvez seja patológico, talvez não. Mas prefiro ficar assim,ok?
Querido Professor Yudice,
Sou o anônimo das 21:05h, e não me identifiquei por b.o. (burrice de operador.
Quero responder essa questão com calma, pois, participando das aparelhagens regularmente, tenho muitas considerações a fazer.
De antemão, posso afirmar que a generalização que se faz acerca dos partícipes desse tipo de festa é ridícula.
A par da questão cultural do povo paraense, que não deve ser tratada nesse tipo de discussão, posso garantir que nem todo festeiro de aparelhagem é ladrão.
Prometo uma resposta melhor daqui a pouco.
"Nada impede que tenhamos modelos socialistas que não impeçam as pessoas de crescer e usufruir disso." Este modelo nunca vai existir, Yúdice. Infelizmente!
Simplesmente porque, o discurso muda quando os ditos socialistas têm o poder na mão, criam verdadeiras castas de protegidos. E usam de extrema violência para com quem não reza de sua cartilha. Isso já foi, e é historicamente comprovado. Usando de subterfúgios e mensagens subliminares para ameaçar aqueles.
Parabéns para você que admite e se coloca entre os que, com esforço, obtiveram vitórias, só não acho justo mensurar em classes.
É impressão, ou seu post: "A tediosa rotina dos blogs", tem um tom de ameaça? Deve ser só impressão, não? É. Deve ser, e não dever ser.
Por fim, quem tem um blog e aceita comentários, anônimos ou não, está sujeito a ser questionado. Caso contrário, é melhor não publicá-lo.
Caros Jean e anônimo, já que ambos se declaram dispostos a debater intensa e civilizadamente, para mim está ótimo. Vocês valorizaram bastante a postagem.
E, anônimo, compreendo o seu ponto de vista. E apesar de eu divergir em certos detalhes, acredito que nosso pensamento não é tão diverso assim. Só acho que você não deveria tomar os exemplos históricos como essenciais ao socialismo, caso quiséssemos aplicá-lo hoje.
No mais, não houve o menor tom de ameaça na postagem. Foi só uma indicação de leitura, mesmo. Já estou muito zen com os meus comentaristas.
Arthur, aguardo a sua "resposta melhor". No mais, as generalizações são de fato um problema.
Esse papo é o velho papo socialista, que enxerga o pobre como um "pobre injustiçado do sistema".
Nem é preciso dizer que isso constitui uma ofensa ao pobre, já que a maioria deles não precisa ficar coagindo ninguém nos estacionamentos para ganhar a vida.
Mas os vagabundos vão ser sempre considerados uma "mazela social" da classe média indiferente e insensível, segundo esses arautos da esquerda. Sou da classe média e ajudo que eu acho que merece, não meliantes que, só por se sujeitarem a uma "atividade" criada por eles mesmos - já que desnecessária totalmente, até pelos pelos impostos que já pagamos para ter a segurança pública assegurada.
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