quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A propósito do tema

Em atenção ao tema da postagem anterior, acabei de encontrar no computador um texto que redigi há uns dois anos, a pedido de alunos que pretendiam publicá-lo num jornal acadêmico. Justamente por essa finalidade, é um texto apertado, que apresenta alguns pontos sem contudo aprofundá-los, devido às limitações de espaço. Mas creio que fornece algo de proveitoso para fins de contextualização.

Redução da menoridade penal: por que não?Ser contra a redução da menoridade penal para 16 anos, para mim, é uma questão de princípios. Literalmente, ou seja, princípios no sentido filosófico da palavra.
Sou avesso, até convencimento muito bem fundamentado em contrário, a qualquer medida que, afinada às políticas de lei e ordem, proponham o endurecimento do Direito Penal sob a concepção, vã e estatisticamente desmentida, de que leis mais severas tenham a capacidade de conter a criminalidade ou a violência. No caso específico da redução da menoridade penal, nem sequer existe uma programa de enfrentamento da criminalidade mas, tão somente, um mecanismo de alcançar um maior número de delinquentes, hoje isentos de sanções criminais porque submetidos à tutela incompreendida do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Com efeito, a medida apenas autorizaria o uso da sanção criminal a um maior número de pessoas, sem contudo combater as causas mais profundas do crime, de cunho social, econômico e político. Aliás, não combate sequer as causas imediatas, porque não possui a menor aptidão para influenciar os mercados negros de armas e drogas, por exemplo, muito menos para afetar as motivações estritamente pessoais do delito, como a busca de aventura, o desejo de escandalizar a sociedade, de ter poder ou a ambição por bens materiais. Se a intenção é reagir aos jovens que são maus, incorrigíveis e de perfil sociopático, nenhum deles deixará de sê-lo porque as consequências de seus atos mudaram. Principalmente porque, no imaginário coletivo, dada a falência estrutural e até moral das instituições de “atendimento” aos adolescentes, nunca se perceberam diferenças entre uma pena e uma medida sócio-educativa, na prática.
A mentalidade lei e ordem odeia ou despreza o argumento de que as mazelas sociais estão na raiz da criminalidade. Paciência. Isso é uma obviedade tão grande que já me custa repeti-lo. Não são a explicação única, mas estou convencido de que são a mais importante. O problema é que a grande maioria das pessoas se move estritamente com base na emoção, até porque é manipulada por isso pela grande imprensa, sem jamais refletir sobre os complexos e variados fatores que levam uma pessoa a agir desta ou daquela maneira. Assim limitado, o cidadão comum supõe que o crime é apenas a expressão da perversidade do indivíduo e nada mais. Daí a conclusão compreensível: pessoas cruéis devem ser tratadas cruelmente. O sofrimento e a eliminação dos maus é suficiente para restaurar a paz. Para dar um exemplo confirmado por pesquisas sérias, abusadores sexuais foram, em sua grande maioria, vítimas de abuso na infância. Disso decorre que a decisão do abusador de fazer vítimas pode ser a expressão de sua perversidade individual. Eliminá-lo, porém, não suprimirá o germe da violência plantado nas crianças de outrora e de agora. No futuro, novos abusos ocorrerão e a brutalidade das leis penais assistirá a isso com a mesma insuficiência burocrática de sempre.
O Brasil não conseguiu cumprir metas elementares de seu objetivo de ser “uma sociedade livre, justa e solidária”. Não assegurou a cidadania nem a dignidade da pessoa humana. Não erradicou a pobreza, a marginalização ou as desigualdades sociais. Não promoveu o bem de todos.* Listar todos os mandamentos consagrados na Constituição e fracassados na realidade seria estafante e constrangedor. Mas destaco que ainda estamos a anos-luz de “assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (art. 227). Procure saber, também, o que a sociedade brasileira, por meio da Lei n. 8.069, de 1990 (ECA), entendeu ser seu dever em relação à juventude, mormente nos arts. 3º a 5º; 7º; 15 a 19; 22; 53 e 54, dentre outros.
* Referências aos princípios e objetivos ativa do Brasil . inalizaç de seu objetivo de ser " sobre os complexos e variados fatores que levam uma pessoa a agifundamentais da República (arts. 1º e 3º da Constituição de 1988).

2 comentários:

Anônimo disse...

Bela exposição Primo.

Compartilho por inteiro de seu pensamento que obviamente é o mais difícil de se sustentar quando se defende perante a sociedade movida à emoção imediata.

É lamentável que ainda se difunda a idéia de que Justiça é sinônimo de vingança, de retribuição. Joga-se fora garantias em nome da "paz social" e "ordem pública".

Sempre digo que o remédio deve ser atacado conforme o problema. Se a questão é social, o mais lógico é que as medidas de prevenção sejam também de caráter social.

O único objetivo da redução da maioridade penal é o anseio da população em ver os adolescentes presos, por mero sentimento vingativo, sem sequer analisar se isto irá ou não trazer benefícios sociais, derrubando a tese que sustenta a redução em nome de segurança. Até prova ao contrário, não vejo bases sólidas em qualquer argumento que sustente a tese de redução.

Abraços!!!

Yúdice Andrade disse...

Hoje em dia, Jean, até consigo enxergar bases legítimas nas teses de endurecimento das leis penais. Mas acredito ser fácil questioná-las e mesmo desmontá-las. Todavia, quando nos lembramos de que tudo é uma questão política, o certo e o errado desaparecem debaixo do conveniente e inconveniente.
Um sistema no qual a maioridade penal comece aos 7 anos está errado? Não podemos dizer que sim. É a opção de uma nação, ao menos que se saiba. O problema está em uma norma assim ser criada por um governo/parlamento que não representa o povo. E isso é um problema sério no Brasil, onde a democracia representativa é uma grande palhaçada.