quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Brincadeira de criança II

Continuação da postagem de mesmo título, de 7.10.2007 (pode ser encontrada através do marcador "pessoal").

A casa de minha mãe tem um quintal, de terra. Recentemente, construímos uma lavanderia. Mas durante todos esses anos ele esteve lá, livre de impedimentos e cheio de árvores. A mais importante de todas não existe há muito tempo: o meu jambeiro. Digo "meu" não porque o tenha plantado, mas porque durante certo tempo de minha infância eu me referia a ele como meu melhor amigo. Estranho uma criança reconhecer seu melhor amigo numa árvore...
Seja como for, no dia em que me entendi por gente, o jambeiro já estava lá, enorme. Na época da florada, cobria o chão de rosa. Como é linda a floração do jambeiro! E eu não tenho nenhuma fotografia para me lembrar daqueles tempos...
Passei tantas horas em cima daquela árvore que se poderia considerá-la minha casa de campo. Ali, de fato, vivi minhas fantasias. Ela foi um castelo, um carro de corrida, uma nave espacial, um outro país. Aquela árvore foi uma outra vida. Com o destemor das crianças, eu subia até o ponto mais alto e frágil — que chamamos de "olho da árvore" —, onde os galhos ficam finos e o vento chachoalha você de verdade. Sim, pode ser perigoso e eu sentia o sangue se agitar em mim nesses momentos. Mesmo assim, subia e ficava lá, balançando de um lado para o outro. Depois descia alguns metros, até onde algum galho grosso se encontrava com o tronco. Eu podia me deitar completamente no galho e até tirar um cochilo. Era maravilhoso.
Durante a safra, era só esticar o braço e alcançar um jambo bem madurinho, doce que só provando. Eu comia tanto que nem sei como jamais passei mal por causa disso. Naquele tempo, não ficávamos doentes por comer frutas sem lavar. Às vezes penso que a maioria das bactérias foi inventada na última década.
Vez em quando, eu levava os jambos para a cozinha. Lavava-os, cortava-os em cubinhos e jogava açúcar por cima. O contato do açúcar com a polpa suculenta produzia uma calda saborosa que eu degustava após o último pedaço da fruta, passando o dedo por dentro da tigela.
Não me recordo o ano em que meu amigo morreu. Um dia, minha mãe entendeu que o jambeiro fazia muita sombra e mandou cortá-lo (a prioridade era secar roupas no varal). Ah, sim, tinha alguma coisa a ver com atrair sapos, também. Eu já era adolescente e nunca exprimi com toda a sinceridade a extensão da minha raiva e indignação. Durante anos, o tronco morto ficou por lá, como uma assombração. Depois, até ele se foi. O lugar onde um dia reinou meu jambeiro hoje está cimentado e é uma lavanderia.
Preciso de uma árvore onde suba com meu filho (ou filha), para ensiná-lo(a) a escalar os galhos e colher os frutos com suas próprias mãos. Sinto que será, também para ele(a), uma terna lembrança de infância.

2 comentários:

morenocris disse...

Caramba, Yúdice, vc é um escritor e dos bons. Acompanhei uma parte de sua infância agora, neste momento. Jambo me lembra Mosqueiro...a rua dos Jambeiros...linda, toda vermelha. Adoro quando vc escreve assim, com a alma. Dá prazer. Obrigada.

Beijos aos três.
Boa noite.

Hellen Rêgo disse...

Caro Yúdice, tenho que concordar com a Cris.
Ha muito tempo não parava na frante do pc para ler textos tão "longos" e tão prazeirosos.
Gostei mt dos posts do parto, do feriado, qse vivi uma historia com um amigo jambeiro, e ainda a prova da Ordem, rsrsrs.
Parabéns!
Voltarei sempre por aqui...
PS: Providencie logo uma muda de jambo para o Bebe subir assim q puder. E dessa vez tenha uma camera em mãos.
Abraços
Hellen Rêgo (medidaprov.blogspot.com)