quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

A polêmica do parto

Reproduzo na íntegra a oportuna reportagem publicada hoje pelo Diário do Pará e assinada pela jornalista Flávia Ribeiro.


Cesariana ou parto normal, eis a questão
NOVE MESES Para os médicos, cirurgia é última opção

Quase um ano de espera. Cerca de 40 semanas de ansiedade, em meio a um turbilhão de emoções provocadas pelos hormônios que se sobressaem durante uma gravidez. Mas, apesar de toda a felicidade que envolve o momento, muitas vezes é preciso encarar também o aumento de peso, as dores nas costas, além de incômodos como enjôos, dor de cabeça, cólicas, entre outros contratempos. Como se não bastasse, a futura mamãe ainda tem que tomar uma importante decisão: escolher o tipo de parto. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, a taxa aceitável de cesarianas realizadas por país é de no máximo 15%, mas no Brasil o número é bem maior. “Hoje temos cerca de 36% na rede pública. Na rede privada, porém, é de 72%, quando a cirurgia só deveria ser usada em casos de complicações”, informa o médico Edson Souza Filho.
Há relatos de que o procedimento cirúrgico usado para o parto surgiu em Roma. Um dos bebês que nasceram dessa maneira foi o imperador Júlio César, o que influenciou na maneira como a cirurgia ficou conhecida. Foi a opção para casos de gravidez de risco e que, de maneira geral, continua sendo feita da mesma maneira: com um corte no abdômen e no útero da mãe para que o bebê seja removido.
No entanto, como já foi dito, a intenção era de salvar vidas, o que ainda ocorre, é claro. Uma vez que a cesariana é indicada para situações como quando o trabalho de parto é anormal ou ineficaz, ou quando o bebê está em uma posição anormal, ou se o bebê está tendo padrões de batimentos cardíacos anormais, entre outras.
Histórias da carochinha e outros mitos sobre partos
Ainda assim, atualmente a escolha por esse tipo de parto é influenciada por outras questões. “Há mitos como a flacidez do canal vaginal que seria adquirida através do parto normal e que comprometeria a prática sexual. Sem falar no medo da dor”, fala o médico. “Mas há um tempo entre as contrações que permite que a dor seja totalmente tolerável e que a mulher a suporte. A pressão de cada contração de 45 segundos tem a pressão de 240mm de mercúrio, ou seja: é a mesma de uma verificação de pressão. A verdade é que a flacidez não ocorre com o corte para a passagem da criança, já que depois as fibras musculares se reconstituem”, esclarece.

O Brasil já foi campeão em número de cesarianas. Hoje, o incômodo lugar é ocupado pelo Chile. “Isso significa para o mundo que o Brasil está cuidando pouco de suas mães e crianças e que a promoção à saúde é precária”. Ele defende mais esclarecimento para as grávidas e suas famílias, que acabam influenciando na decisão. “Poucas pessoas sabem que o risco de morte na cirurgia é 2,8 vezes maior que no parto normal, por exemplo”, afirma Souza.
Os médicos reconhecem que as cesáreas podem salvar vidas – ou a saúde – de muitas mães e bebês, mas os efeitos colaterais, que em algumas ocasiões podem ameaçar a vida, incluem hemorragia, infecção, infertilidade e coágulos no sangue. “Por isso, o consenso médico é que o parto normal é melhor”, explica a obstetra Flora Balbi, da Santa Casa de Misericórdia, entidade que é referência nos partos de alto risco.

Profissionais mais conscientes de sua posição

A banalização do uso da cesariana se deve não só aos mitos, mas também pela insegurança e pela conveniência de profissionais. “É mais prático fazer uma cirurgia que dura cerca de uma hora e meia do que levar até 12 horas esperando pelas contrações. Sem falar que muitas pacientes fazem pressão por não quererem esperar”, comenta a médica.
De acordo com Flora, o risco de infecção é maior na cirurgia. Além disso, a mãe fica mais debilitada e o gasto hospitalar tem um aumento considerável, pois ela precisa de aproximadamente 15 dias para se recuperar. No parto normal, a mãe fica até 72 horas no hospital. “O ideal é que a mãe tenha uma boa assistência pré-natal, com exames regulares e a assistência de um bom profissional”, observa a médica.
Esse é o caso da produtora de rádio Larissa Wanzeler, que aos 26 anos de idade está grávida de seis meses do primeiro filho. “Já escolhi o parto normal. Prefiro sentir dor só em um dia a ter que passar de 10 a 15 dias sofrendo”, comenta.
A decisão foi tomada depois que a futura mamãe buscou informações com médicos e na internet. “Além disso, ainda acompanhei algumas amigas que passaram por cirurgias e vi como foi o sofrimento delas durante a recuperação. Não quero perder tempo com isso, até porque vou ter um filho para cuidar”, afirma Larissa.
A atendente bancária Simone Marques, 36 anos, também tinha optado pelo parto normal, mas acabou passando pela cesariana. “Sou muito ansiosa. Assim que completei 39 semanas, isso piorou porque a médica disse que o bebê ainda não estava bem encaixado. Eu teria que esperar mais uma semana ou, então, poderia marcar a cirurgia”, revela Simone, que há dois meses teve o primeiro filho, mas passou mais de uma semana se recuperando. “Na verdade, o medo acaba influenciando muito”, reconhece.
Mas no caso de uma segunda gravidez, a atendente garante que mudará: “Mais pelo pós-parto, que parece mais confortável no parto normal”, fala.

Mais de 72% de partos cesarianos na rede particular? Sem dúvida que há um nome para isso. Crime. Para dizer o mínimo. E como hoje em dia ou você tem plano de saúde ou se ferra (e se ferra até tendo o plano), creio que os médicos não estão mais conscientes da necessidade de expandir os casos de parto normal, como afirma a reportagem. Pelo contrário. A tendência é piorar, daí a necessidade de conscientização.

Vale lembrar, ainda, que o estresse provocado pelo parto é importantíssimo para o término da maturação do bebê, especialmente dos pulmões. Por isso, cesariana agendada, sem que o parto se tenha ao menos iniciado naturalmente, é um absurdo que somente poderia ser tolerado nos casos em que isso se mostrasse indispensável.

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