quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

O "Monstro da EMBRAPA"

Esclarecimento: o nome da postagem atende a uma reclamação da CEASA, que já explicou que aquelas matas pertencem à EMBRAPA. A entidade está preocupada em ter seu nome associado aos lamentáveis crimes.

Desde que soube da prisão de André Barbosa, venho acompanhando a exploração midiática sobre o caso. Para a imprensa, que vive de escândalos e tragédias, é uma apoteose. Um desbunde. Há muito o que explorar, garantindo várias e várias edições de jornal graças ao mesmo acontecimento. Pensava em escrever a respeito e, após ler o Fred Guerreiro, decidi deixar umas primeiras impressões.
Inicialmente, fiquei repugnado com o trato típico da imprensa: sanguinolento, trágico e ridiculamente dramático. Isso se percebe pelas fotografias publicadas, no que merece uma cusparada mais substancial o Diário do Pará, ao ocupar uma capa com gigantesca imagem do assassino e, em fotos menores, os cadáveres das vítimas.
Deveria haver uma punição dura para quaisquer órgãos de imprensa que publicassem imagens de cadáveres. Além de afetar o público com a visão chocante, despropositada e inútil, maltrata uns tantos ditames constitucionais. Ali morre o direito à imagem, à privacidade e à paz de espírito. Ali as famílias são obrigadas a reviver sua dor, publicamente, potencializada pela sanha de gente sem caráter e sem respeito. Aposto que não faltou quem fizesse questão de levar um jornalzinho para mostrar aos familiares aflitos. Este é mais um exemplo de vitimização secundária, de que já tratei aqui no blog.
Minha segunda crítica é ao fato de que, da noite para o dia, a polícia do Pará se equiparou ao FBI. Frangamente! Elogios, prêmios — bem ao gosto dos desmiolados destas terras provincianas! Mas falemos sério: a polícia elucidou o crime, sim. É fato. Mas foi mérito próprio?
Podem me chamar de "do contra", mas a prisão do homicida teve um responsável: o escorregão que ele sofreu quando se preparava para matar a vítima. O que veio depois foi uma progressão natural: o adolescente fugiu, viu o celular caído no chão, a polícia foi acionada, achou o aparelho, fez rastreamentos e chegou ao culpado. Se, todavia, André não tivesse escorregado, a imprensa agora estaria vociferando contra a polícia, pois teríamos uma quarta vítima (conhecida) e nenhuma notícia do criminoso. Pode-se até falar num lance de sorte.
A auto-aclamação feita pela polícia cai por terra quando seus próprios representantes afirmam que o caso em questão inaugura uma "nova era", de maior eficiência e cientificidade. "Nova era" de novo, pois disseram algo semelhante no caso da Dorothy Stang e da menina Marielma, que foram solucionados rapidamente. Nem por isso, contudo, vemos qualquer mudança em nossas delegacias. Continuamos sem pessoal suficiente, sem infraestrutura adequada, penando horas a fio para registrar uma ocorrência (se conseguirmos)...
E quais são as inovações trazidas por nossas autoridades? Disseram que começa de coisas simples, como cercar a cena do crime com aquelas fitas amarelas! Jesus Cristo! Quer dizer que, até hoje, não era feito o isolamento das cenas de crime?!
Realmente, quando uma criança ainda não anda, qualquer passo que dê é um grande feito. Mas duvido que alguém se impressione se um garoto de dez anos disser que caminhou mil passos sozinho.
Essa é a nossa realidade. Comemoramos o óbvio, o imediato, o primário. Mas continuamos nos debatendo em inquéritos dependentes quase que exclusivamente de provas testemunhais, as piores que existem. Tanto que fazemos uma festa enorme quando um caso é solucionado. De fato, é notório que, no país inteiro, a quantidade de homicídios solucionados é insignificante, frente ao total.
A fim de não parecer que vim aqui jogar pedras, louvo a iniciativa da polícia, se sincera for, de mudar, de aprimorar-se. Mesmo que começando pelo óbvio ululante. Antes isso do que nada, antes tarde do que nunca.

PS — Desculpa, Sérgio, por te deprimir falando de segurança pública. Outra hora escrevo mais sobre paternidade.

3 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

Caro amigo, permita-me a ousadia de repetir suas palavras: "Comemoramos o óbvio, o imediato, o primário." Desconte-se, contudo, que boa parte dos crimes são solucionados com a ajuda do próprio criminoso.
É a apoteose da inversão dos meios.
Abraço

Leo Nóvoa disse...

O sensacionalismo dos jornais me impressiona professor. No Liberal deram ênfase para o fato de o maníaco gostar de guerras (nada mais óbvio se o indivíduo era militar) e para algo "sobrenatural", onde uma entidade baixou sobre sei lá quem que indicou o local do crime e o acusado. Sem contar essas fotos terríveis de cadáveres a que estamos expostos diariamente. O jornalismo anda triste, ou sempre foi.

Abraços

Yúdice Andrade disse...

Fred: Ou a ajuda do próprio criminoso (em geral porque comete outros crimes, uma hora e preso e acaba reconhecido por outros) ou por causa da própria vítima, ou muitas vezes pela sorte. Aliás, neste caso, houve sorte nossa.

Os pseudojornalistas que nos dominam, Leo, acossados por seus patrões para fazer um produto que vendam, usam uma linguagem que agrade a um público de massas e, infelizmente, quanto mais massivo, mais passional e menos crítico. Daí perderem tanto tempo com questiúnculas tolas, ridículas até.
Lembras daquele estudante de Medicina que fuzilou gente num cinema? Até hoje destacam que ele fez isso numa sessão de "Clube da luta", sem pensar que ele poderia ter feito numa sessão de "O mágico de Oz". As causas de seu crime são muito mais profundas e remotas do que seu gosto cinematográfico.