sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sem saúde, sem carro...

1
Conheço gente que, muitas vezes, precisou levantar da cama em plena madrugada, para se meter numa fila antes mesmo de o sol nascer. Motivo: conseguir uma senha para ser atendido no INAMPS ou INPS ou SUS ou INSS, tanto faz. Mas quem podia contratar um plano de saúde vivia no paraíso. Consultas com hora marcada, médicos à disposição, clínicas e consultórios confortáveis e silenciosos, atendimento de primeira, etc.
Mas os governos foram desmantelando a saúde pública cada vez mais e adquirir um plano de saúde se tornou uma necessidade. Só quem não tem é quem realmente não pode pagar. Resultado: o negócio se tornou drasticamente lucrativo para as empresas. Em compensação, agora que há usuários saindo pelo ladrão (e entrando pelo cano), o atendimento dos planos é uma nojeira. Faltam profissionais credenciados e estes dão franca preferência para os clientes particulares. Você liga para um especialista e agenda uma consulta para dali a um, dois meses. Às vezes, mais. Se o seu plano for dos bons.
Agendamento, porém, é piada. Os esculápios só atendem por hora de chegada, porque o tempo é valioso. O deles, claro. E somente o deles. O seu é lixo. Cale a boca e espere o tempo que for necessário. Nas emergências dos hospitais conveniados, vive-se num SUS pisando em mármore. Filas, barulho insuportável, confusão. Pessoas sendo atendidas como dá.
Em suma, você paga caro, mas é humilhado.

2
Houve tempos em que ter um carro era um grande privilégio. Aos poucos, o bem — que é um dos maiores sonhos de consumo da humanidade — foi-se popularizando. A nacionalização da indústria brasileira ajudou isso. Mas rodávamos em carroças, como definiu o então presidente Fernando Collor em um de seus dois únicos momentos de lucidez (o outro foi autorizar o uso do FGTS para quitar a casa própria, o que foi maravilhoso para a minha família).
Os carros nacionais, pressionados pela concorrência estrangeira, melhoraram, porém continuavam inacessíveis. Aí inventaram os veículos populares, com motor 1.0 e menor tributação. Houve festa em todo canto. Mas, com o tempo, os carros populares se tornaram uma piada. A única coisa popular neles era a motorização, porque o preço... Imagine pagar quase 30 mil reais por um automóvel de motorzinho, pneuzinhos de aro 13, acabamento xinfrim, com direção mecânica e sem ar condicionado! Descobriu-se, então, que o bom negócio era facilitar o crédito.
Há poucos anos, as vendas de carros usados aumentaram vigorosamente. Uma delícia para quem queria revender o seu, pois a grande procura elevou os preços. Você podia vender o seu usado (desculpe, agora é "seminovo") por um bom preço e descolar outro zero quilômetro mais incrementado. Bons tempos. Com o crédito amplamente facilitado, pessoas que antes sofriam ao pensar no assunto, agora entram nas concessionárias e saem de carro zero (pagando um financiamento que quase dobra o valor do bem).
Se você pode ter um zero, com garantia estendida, para que um usado? O mercado de seminovos entrou em declínio. Péssimo para quem quer revender. E para quem quer comprar, pois há filas de espera em todo o país, para qualquer categoria ou modelo.
Além disso, há os danos colaterais, de grande monta: ruas cada vez mais lotadas de veículos, engarrafamentos cada vez mais insanáveis. Cidades bloqueadas. E o meio ambiente sofre com o aumento das emissões de poluentes.

Conclusão
A vida está cada vez mais cheia de facilidades. E cada vez mais difícil.

3 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Ótimo!
Gostaria de recomendar este seu post como usuário, aos administradores de hospitais, planos de saúde e alguns médicos também. Quem sabe assim, não se sensibilizam para o problema, por força da opinião dos usuários.
Mesmo sendo médico, como usuário, já passei por isso também. Fiquei 3 horas esperando uma consulta com um colega, amigo de infância, que fez o favor de estender sua permanência na clínica para me atender. Uma hérnia de disco foi o motivo. E após ver a quantidade de idosos e necessitados na fila, fui muito grato a ele pela gentileza. Sorte minha.
Mas acredite.
Se os planos de saúde tem poucos especialistas credenciados, é por consciente opção dos seus gestores.
Eles devem mesmo explicações aos usuários. Candidatos plenamente aptos a credenciamento é o que não falta. Talvez em algumas especialidades seja algo mais difícil. Mas na maioria não.
E existem médicos jovens, de sólida formação prontinhos para entrar no sistema e aliviar a demanda.
Enfim, vale o post, que espero que tenha a repercussão necessária e consiga provocar força de mudança.
Os bons profissionais, agradecem.

Abs

Anônimo disse...

Infelizmente Yúdice, para os nossos filhos as perspectivas não são nada animadoras...

Yúdice Andrade disse...

Ah, recomende por favor, Barretto. É preciso que a classe médica pare para refletir sobre o modo como tem se relacionado conosco, meros usuários. Claro, problemas todos temos. Sei que planos de saúde pagam pouco, glosam muito, questionam tudo, impõem restrições toscas. Agora mesmo meu irmão está tendo um problema danado. O endocrinologista fez uma solicitação que envolve seis exames. Porém, na requisição, ele escreveu o nome do pacote, sem discriminar os itens, embora seja de conhecimento do laboratório que aquela rubrica envolve os seis exames. Na queda de braço entre o plano, que faz de tudo para se livrar da conta, o laboratório, que nem sonha em levar prejuízo, e o médico, que considera abusiva a exigência de especificação, meu irmão é que fica na pior. E isso porque se trata de um tratamento importante, relacionado a sua cirurgia de redução de estômago ocorrida há quase dois anos!
Portanto, alguém precisa pensar em nós. Não fazemos consultas, exames e sacrifícios porque desejamos, e sim porque precisamos. Isso não conta?

Não são animadoras, de fato, anônimo. Mas se é por nossos filhos, não podemos cruzar os braços.