sábado, 2 de fevereiro de 2008

De antigamente

Dentre as aquisições que estamos fazendo neste período gravídico, uma das mais recentes foi o CD Chico & Vinícius para crianças, coisa que se encontra porque, felizmente, as gravadoras resolveram relançar muita coisa em formato de mídia mais atualizada. Graças a isso, podemos oferecer a nosso filho canções que o livrem das Xuxas da vida. Em vez disso, ele pode escutar as vozes de Chico Buarque, Toquinho, Nara Leão e dos conjuntos (como falávamos naquela época) MPB-4, Boca Livre e As Frenéticas, dentre outras, além da participação inspiradíssima dos Trapalhões, no tempo em que eles sabiam fazer bons filmes — refiro-me, é claro, a Os saltimbancos trapalhões.

O CD reúne algumas das mais antológicas canções infantis. Quem nunca cantarolou:

Uma pirueta
Duas piruetas
Bravo, bravo

Ou:

Au, au, au
Hi-ho hi-ho
Miau, miau, miau
Cocorocó
O animal é tão bacana
Mas também não é nenhum banana

Ou ainda:

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás

O maior mérito dessas canções é não incorrer no vício capital que preside a nossa vida atual: achar que as crianças são idiotas. Por isso, em vez de falarmos um português escorreito, mantermos o nível da conversa e tratarmos de temas relevantes, imbecilizamos tudo para que as crianças possam entender. Imbecil é quem age assim. Crianças não são burras e só podem aprender o que não sabem se forem estimuladas a isso.

Veja-se, então, a graça de Paulo Soledade, Toquinho e Vinícius, falando com o pinguim como se ele vestisse casaca e usasse "chapéu jaca" (O pinguim). Ou a brincadeira cantada por Alceu Valença, envolvendo focas de vários países, até chegar na brasileira, que se dá mal porque não tem sardinha para comer, numa clara crítica às condições sociais do país (A foca). Ou a bela descrição de como um leão caça, mostrando sua superioridade em relação aos outros animais (O leão).

Chico mostra seu estilo especialmente em Hollywood, em trechos geniais como estes:

How do you do
Caruaru
I wanna see
Piripipi
Ói nós aqui
(...) Neste fabuloso Xanadu
Eu só tenho medo
De amanhã cair da tela
E acordar
Em Nova Iguaçu
(...) How do you do
Banabuiú
I wanna buy
O Paraguai
Hollywood
And me
Ói nós aqui (vixe!)

Também merece destaque a meticulosa descrição do vento, com direito a piadinha escatológica no final, porém sem perder a classe (O ar [O vento]):

Estou vivo mas não tenho corpo
Por isso é que não tenho forma
Peso eu também não tenho
Não tenho cor

Quando sou fraco
Me chamo brisa
E se assobio,
Isso é comum
Quando sou forte,
Me chamo vento
Quando sou cheiro,
Me chamo pum!

A linguagem usada nos poemas também é de antigamente, não no sentido de que seja arcaica ou preciosista. Pelo contrário, é bastante acessível e com referências bem populares. Mas aqui e ali surgem vocábulos impensáveis no rebotalho pseudoartístico de hoje. Imagine se um desses artistas mercenários de hoje tem alguma ideia do que seja "sobranceiro"!

Para arrematar, tem até filosofia, como quando o jumento manda o cachorro parar de latir para a gata, ensinando: "Para, cachorro. 1ª lição do dia: o melhor amigo do bicho é o bicho" (História de uma gata).

Não podemos oferecer a nossos filhos um mundo livre das pornofonias que se tornaram marca registrada de certos ritmos. Mas, graças a Deus, ainda podemos buscar no passado um pouco da cultura que este país já produziu, capaz de satisfazer a família inteira, com obras imortais.

2 comentários:

morenocris disse...

Mas que coisa feia, Yúdice...rsrs

Cante para "ela" "se esta rua, se esta rua fosse minha... rsrs

Beijinhos.

Yúdice Andrade disse...

Cantarei, com certeza. As cantigas de ninar e de roda estão na cabeça da lista. Beijo.