Já me criticaram algumas vezes porque, em minhas aulas, sempre falo que medidas, leis, decisões, etc., são ou não adequadas para obter a ressocialização do criminoso. Pensam que assim me manifesto por questões de humanismo pessoal, assacam-me de romântico, ingênuo ou mesmo tolo. Retrucam-me que criminosos não se emendam e que temos mais é que nos livrar deles.
Após escutar isso várias vezes (é melhor do que ser surdo, claro), modifiquei a minha abordagem e, agora, quando tenho turmas de Direito Penal I, esclareço aos meus alunos que não se trata do que eu desejo, e sim das opções políticas do Estado brasileiro.
A Lei n. 7.209, de 1984, que instituiu a nova Parte Geral do Código Penal, determina que o juiz, atendendo às chamadas circunstâncias judiciais, "estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime", as medidas ali mencionadas.
A Lei n. 7.210, de 1984, que instituiu a Lei de Execução Penal, determina que "a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".
Os dois dispositivos reúnem o tripé clássico da pena criminal, pós-Iluminismo: punição, prevenção e ressocialização. Quem inventou isso no Brasil foi o legislador, não eu, que na época tinha 9 anos de idade e nem sonhava em, um dia, ganhar a vida falando desse tal Direito Penal.
O tempo passou e a Constituição de 1988 consagrou uma série de princípios que a maioria das pessoas insiste em ignorar, inclusive (ou principalmente) as autoridades encarregadas de fazê-los cumprir. Ela determina, p. ex., que o Brasil é "um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais (...) e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, fundada na harmonia social" (preâmbulo). Determina também que a "dignidade da pessoa humana" é um dos fundamentos de nossa república (art. 1º, III), que "promover o bem de todos", sem preconceitos de qualquer espécie, é um dos objetivos fundamentais dessa república (art. 3º, IV), a qual se rege, dentre outros, pelo princípio da "prevalência dos direitos humanos" (art. 4º, II).
Como visto, nada disso foi inventado por mim. Não fiz parte da Assembleia Nacional Constituinte e, para ser bem sincero, aos 12 anos eu achava um saco aquele plantão da Constituinte que passava toda noite.
Portanto, a conclusão é bastante simples: a pena criminal existe para punir o delinquente pela conduta perpetrada; para prevenir a ocorrência de novos delitos, seja motivando o próprio delinquente a não reincidir, seja impressionando toda a coletividade com a ameça que a sanção representa; e para ressocializar o criminoso. Se ela é o meio adequado para alcançar esses objetivos, é uma discussão de dois séculos. O que deve ficar claro, por ora, é que enquanto a lei estabelecer essas premissas, as penas não podem ser um passaporte para o inferno, seja por sua própria natureza, seja pelas distorções de sua execução.
Para mudar isso, é preciso modificar as escolhas do próprio Estado brasileiro.
PS — Evidentemente, tudo quanto dito acima pode cair por terra se adotarmos a teoria do Direito Penal do inimigo, sistematizada por Günther Jakobs. Para ele, quando um indivíduo comete um crime particularmente grave, rompe o pacto social e se torna inimigo da sociedade, não mais gozando dos direitos por ela previstos, os quais alcançam apenas os cidadãos. Uma teoria bem construída, de terríveis efeitos, que faria a loucura dos Datenas na vida. Mas estes não se dão ao trabalho de estudar antes de botar a cara na TV para falar suas abobrinhas.
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