sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O que há por trás

Eduardo — chamemo-lo assim — nunca foi um aluno exemplar. Ao contrário, não se mostrava interessado por nada, faltava demais, deixava de fazer seus trabalhos e acabava sempre adulando seus professores, fornecendo explicações para suas ausências e omissões. Pedia compreensão diante de suas dificuldades. Quando as coisas apertavam, admitia até os seus defeitos, num mea culpa destinado a garantir uma segunda chance. Guardava seus rancores contra quem não o atendia. Mas sua família tinha posses e aconteceu de Eduardo, adulto, tornar-se empresário.
Moacir, por seu turno, sempre foi um estudante aplicado. Responsável aos extremos, antecipava-se nas leituras, procurava fazer trabalhos acima da média, cumpria todas as regras e se irritava profundamente com os colegas que não tinham o mesmo nível de dedicação. Era difícil conseguir a sua ajuda e principalmente fazer uma atividade na equipe dele. Falhar com ele uma única vez era garantia de mergulhar num limbo. Ele acreditava que as pessoas sempre podiam fazer mais do que tinham feito. Na primeira página de seu caderno, anotara "Somente o seu melhor é o bastante". Moacir se formou e foi trabalhar em uma empresa, tornando-se empregado de Eduardo.
Certo dia, ligaram da casa de Moacir. Sua esposa, grávida, passava mal e temia um princípio de abortamento. O rapaz avisou seus colegas, entrou no carro e foi para casa, no meio da manhã. No expediente da tarde, quando retornou, Eduardo foi confrontá-lo. Já chegou perguntando que história era aquela de abandonar o trabalho. Moacir, supondo que o chefe não recebera seu recado, explicou o que ocorrera em uma só frase, achando que era suficiente, dada a obviedade de sua decisão. Eduardo, contudo, replicou que conhecia os motivos e perguntou ao empregado se ele pretendia abandonar suas obrigações a cada problema que surgisse em casa. Moacir compreendeu: para Eduardo, o trabalho vinha em primeiro lugar. Pelo menos, em se tratando de seus funcionários.
Nas voltas que a vida deu, o indolente Eduardo, cuja fama na escola e na faculdade era de vagabundo, tornou-se chefe e passou a cobrar de seus subalternos aquilo que jamais estivera disposto a fornecer. Moacir, por seu turno, pediu-lhe a compreensão que antes negava a todos. Papeis invertidos, ambos fizeram aquilo que antes recriminavam.
Nossas ações são determinadas pelo nosso caráter ou tudo, no final, é uma questão de poder? Moacir tivera o poder de melhor aluno da sala e fora inflexível. Eduardo tinha o poder de chefe e fechava os olhos às necessidades alheias. Cada um a seu turno, não sabia e não queria colocar-se no lugar do outro.
Em nossas relações diárias, sabemos equilibrar direitos e deveres, necessidades e liberalidades, moralidade e humor? Ou somos apenas mais um Eduardo ou Moacir?

Acréscimo em 15.9.2007, às 13h54:
Aldrin Leal, um de meus gentis leitores, fez uma postagem a partir deste meu texto em seu próprio blog. Agradeço a honraria e as doces palavras que me foram dedicadas. Mas houve um pobrema de login e não consegui deixar um comentário. Como podemos resolver isso?

5 comentários:

Aldrin Leal disse...

Yudice,

Só pra não perder a deixa: Aqui, por trás não tem nada. Sem insinuações, por favor.

No que tange ao artigo, eu tomei o Árbítrio ("Arbítrio do Aldrin", talvez?) de expandir minhas reflexões em Um post. Espero que contribua com a discussão. :)

Buda seja Louvado :)

Anônimo disse...

Quando digo que a Anarquia é ma forma lógica sob o ponto de vista teórico, muitos me chamam de louco hehe

É nesta questão de poder que procuro fundamentar minha tese, afinal se nenhum regime político baseado em outorga de poderes até agora deu certo, por que seria loucura pensar num que não houvesse poder?

Porém acho que se passa pela concepção nietzscheana de ser-humano, ao afirmar que todos nós nos guiamos (ou deveríamos no guiar) conforme nossa vontade de potência. Ou seja, vá no sentindo de suas forças ativas e reprimas suas forças reativas. O ser-humano precisa se sentir superior a outro, mesmo que assim não seja, é o que chama moral dos escravos, onde um ser sabe de sua infeoridade porém inverte a questão de potência para poder "ser superior". Eu, como crítico das religiões não pdoeria perder a oportunidade de dizer que elas são em geral que auxiliam nesta inversão.

Abraços Primo!!!

Yúdice Andrade disse...

Ei, Aldrin, fizeste um link com o meu próprio endereço. Vou lá no teu blog olhar a tua postagem. E, como assim, "aqui, por trás não tem nada"? Ahahahahahah

Nunca li Bakunin & cia., mas hoje em dia compreendo muito mais facilmente os adeptos do anarquismo e da desobediência civil.

Aldrin Leal disse...

De fato, errei o link. Eis o link correto.

Aldrin Leal disse...

wrt problema de logins, lá eu uso openid. Você pode criar uma conta em um provider openid (como o myopenid ou o videntity.

Sei que é um pouco complicado, mas é que o spam tava de matar :(