sábado, 15 de março de 2008

Juiz não é desembargador

A magistratura se organiza numa carreira. No primeiro nível dela, atuando como órgãos jurisdicionais monocráticos, estão os juízes de Direito e seus congêneres nas justiças especializadas. No segundo nível, estão os desembargadores, reunidos em tribunais. Eventualmente, a vacância de cargos de desembargador obriga os tribunais a convocar juízes para assumir as funções próprias do desembargo, evitando o engessamento dos trabalhos.
Mas um juiz convocado é exatamente isso: um juiz convocado, não um desembargador, por mais que exerça as funções de um e receba a remuneração equivalente. Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça esta semana, ao rejeitar um agravo regimental no qual se pretendia obter a declaração de que uma juíza convocada pelo Tribunal de Justiça da Bahia era, transitoriamente, desembargadora, o que lhe daria algumas prerrogativas, dentre as quais foro privilegiado: juízes são julgados perante os tribunais a que servem, mas os desembargadores estão submetidos a processo perante o STJ.
Lúcida decisão.
Mas sabe o que é mais curioso na história? Você deve estar pensando que é a magistrada, acusada de algum delito, quem corre atrás de algum benefício, certo? Pois não é. O autor da tese é um homem acusado de desacatar a magistrada em questão, que tenta deslocar a competência do processo para o STJ, no que acredita ser mais vantajoso para a sua defesa. Sem maiores informações, não vislumbro como sua defesa seria facilitada no tribunal superior. Mas, cá entre nós, o objetivo real pode ser bem outro.
É que o desacato tem pena máxima cominada em dois anos de detenção e, como tal, a prescrição ocorre em quatro anos. Estou inclinadíssimo a concluir que o réu, ao levar às últimas consequências uma tese jurídica que, a bem da verdade, interessa a outra pessoa, não pretende mais do que isso: escapar dos riscos de uma eventual condenação na marra. É a lógica do se-não-posso-(me)-ajudar-então-vou-atrapalhar.
Neste país, essa técnica costuma dar certo.

5 comentários:

Frederico Guerreiro disse...

É para esses casos de busca de "brechas da lei" que devemos dar graças de ter um STJ ligado nas paradas.

Anônimo disse...

Pois eu conheço um juiz do trabalho aposentado que se autointitula de "desembargador federal do trabalho aposentado", só porque foi beneficiado com uma antiga legislação que lhe assegura receber proventos de desembargador (aliás, um absurdo).
O sujeito sequer foi convocado para o tribunal. Sempre funcionou em primeiro grau.
Adivinhem quem é?
Se quiseerem, eu conto.
(ele foi candidato, derrotado, a deputado estadual e tem um irmão, este sim desembargador trabalhista, em atividade).
Vocês não acham pura vaidade?

Yúdice Andrade disse...

Com todos os defeitos que ainda podem ser identificados, Fred, os tribunais superiores têm sido, de fato, muito benéficos para o país. Não é a primeira vez que o afirmo, aqui no blog.

Não, caro anônimo. Prefiro que não diga de quem se trata. Tenho razões para preferir que assim o seja.

Vladimir Koenig disse...

Yúdice, essa tese do réu pode ter outra intenção: tentar transferir o julgamento para tribunal fora da esfera de influência da magistrada.
Abraços,
Vlad.

Yúdice Andrade disse...

Boa percepção, Vlad. Não tinha pensado nisso. Obrigado por ampliar meus horizontes.