Não é de hoje que o Supremo Tribunal Federal tem tomado algumas das mais importantes decisões para a vida e o futuro dos brasileiros. Está prevista para amanhã mais uma: o julgamento da ação que visa a decidir sobre a possibilidade de se fazer pesquisas usando células-tronco embrionárias.
A questão chegou à mais alta corte do país por obra e graça do então procurador geral da República, Cláudio Fonteles, sabidamente um católico fervoroso, que não deveria ter usado o cargo para deduzir suas preferências religiosas. Mas usou, propondo a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3510, contra o art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei n. 11.105, de 2005), e, agora, são os 11 ministros que devem decidir sobre o futuro de pesquisas que podem representar muito — ou até tudo — na vida de quem tem o corpo comprometido por certas doenças ou sequelas de acidentes ou atentados.
O argumento defendido na ação se baseia, claro, no direito à vida ("o embrião humano é vida humana"). É a forma de dar roupagem jurídica aos dogmas religiosos que consideram a vida como iniciada no instante da fecundação — posicionamento predominante no mundo e com o qual eu pessoalmente concordo. No corner oposto, há cientistas afirmando que vida e morte não são conceitos estáticos: ambos são processos. Assim, um óvulo fecundado porém não implantado no útero não seria um ser vivo. A fecundação é uma etapa essencial, mas o processo não estaria concluído. Apenas uma tese, certamente, longe de um consenso.
O fato é que, se proibidas no Brasil, as pesquisas com células-tronco embrionárias continuarão existindo no mundo. E em algum momento apresentarão resultados concretos. Se não aqueles mais arrojados, quase ficção científica (produzir apenas um braço para implantar no indivíduo amputado), resultados mais factíveis, como a cura de certas doenças, a regeneração de tecido cerebral destruído ou a reconstituição da capacidade de mandar estímulos do cérebro aos membros, permitindo que pessoas paralisadas recuperem movimentos. Quando isso ocorrer, os interessados irão atrás das novas tecnologias. Mas somente os mais aquinhoados financeiramente terão acesso a elas, fora do país. E veremos assim se agravar o sofrimento dos que dependem da rede pública da saúde.
O relator do processo é o ministro Carlos Ayres Britto, que em 20.4.2007 realizou audiência pública para discutir o tema, recebendo os setores interessados no debate. Um feito histórico, considerando a preferência do Judiciário em se manter alijado dos sentimentos dos jurisdicionados (o que é um oxímoro). Curioso é que o STF faz audiência pública para discutir esse assunto, mas não os de interesse do governo que repercutem em nosso bolso...
Eis aqui a norma atacada pela ADI:
Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições:
I — sejam embriões inviáveis; ou
II — sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data da publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.
§ 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores.
§ 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisa ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética em pesquisa.
§ 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997.
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