Cheguei há pouco da faculdade, onde ministrei uma aula sobre o delito de abortamento. Ao iniciar os trabalhos, e antes de emitir qualquer juízo técnico ou pessoal sobre o tema, questionei os alunos sobre quem seria favorável ao abortamento e em que hipóteses. As respostas foram imediatas, seguindo uma linha semelhante ao que dispõe a lei: admite em casos de risco de morte para a gestante e de gestação decorrente de abuso sexual. Até que um aluno disparou:
— Se eu der a minha opinião, serei criticado?
— Por mim, não — respondi.
O jovem se encorajou e disse ser favorável em todos os casos. Bastou o primeiro e mais quatro imediatamente concordaram com ele, entre eles uma moça (minha experiência mostra que os homens tendem a ser mais permissivos com o abortamento, pelo menos ostensivamente).
Nesse instante, dei-me conta de que o cenário das salas de aula mudou, nestes pouco mais de oito anos em que leciono. Antes, raros eram os alunos que manifestavam concordância ao abortamento e o faziam menos enfaticamente. Por outro lado, a maioria contrária abusava dos argumentos religiosos e metafísicos para se justificar. Hoje, mesmo diante de minha declarada aceitação por argumentos religiosos, para fins de debate, ninguém enveredou por esse caminho. Alegaram coisas como responsabilidade pessoal, existência de outras alternativas.
Evidentemente, os contrários por motivos religiosos estavam lá, mas não se manifestaram. O que não deixa de ser sintomático, pois se antes eram maioria e defendiam um ponto de vista quase inquestionável, hoje são eles que se acanham. Por que será?
Reconheço que preciso melhorar a minha abordagem. Preciso achar um meio de deixar todos mais à vontade para exprimir seus argumentos, quaisquer que sejam. O fato é que os jovens ao meu redor estão mais flexíveis do que há alguns anos. Ou liberais. Não consigo definir qual o termo mais adequado. Confesso que estou evitando ser valorativo. Afinal, este blog é consumido por meus alunos. Seja como for, há uma nítida mudança de postura. E estou muito curioso para saber quais seriam as causas.
Será que esses jovens estão contando com a possibilidade de se envolver numa gestação não planejada?
Será que estão mais afastados das religiões?
Será que absorveram uma cultura mais globalizada?
Será que apenas externam uma nova mentalidade disseminada em todo o tecido social?
Estas reflexões me ocuparão nas próximas horas. Quem sabe alguém que também lide com jovens possa me sugerir alguma resposta. Quem sabe algum deles venha aqui me dar alguma luz.
4 comentários:
Não gosto de me manifestar acerca desse tema pq só qm vive que sabe o que é melhor p si, e como nunca passei por situação semelhante sou suspeita.
As opiniões podem até ter mudado, mas acho que na verdade as pessoas estão mais seguras para defender o que na verdade tinham vergonha de assumir, mas acabavam fazendo de qualquer modo.
Afinal, agora temos um bom argumento na mídia, todos os dias, campanhas na tv aberta: é uma questão de saúde pública.
Saúde pública eu não questiono, é um problema. Porém, o argumento tornou-se desculpa para a Irresponsabilidade, principalmente entre os mais jovens, que não querem comprometer o seu "lugar ao sol".
As pessoas tem informação, de uma maneira ou de outra, e continuam sendo irresponsáveis com suas vidas e com as de outras.
Ainda não me convenceram com discursos esvaziados. Se vc quer ter direito de escolher os rumos de sua vida, não conceba um filho pra depois reclamar esse direito. Seja responsável e assuma os resultados de seus atos. Vc não correu o risco?
Yúdice,
ou será que é porque os jovens, dessa geração, estão com uma visão mais consciente de mundo (e conscientes de que vivem nesse mundo) e passaram a refletir mais sobre os assuntos que os cercam?
O discurso da religiosidade é muito fácil. Mas quem é religioso mesmo, deve seguir os dogmas de sua igreja, não achas? Não vejo sentido em escolher o que seguir ou não. Aborto não pode. Mas sexo antes do casamento pode, assim como pode usar métodos contraceptivos, cobiçar a mulher do próximo, etc. Confessar e comungar todo domingo, acordando cedo? Veja... Não estou desvalorizando o debate sobre a religiosidade que existe pelo tema. Pelo contrário. Acho que é válido e importantíssimo, como já conversamos em outro post. Mas é fácil seguir o pensamento dogmático de uma religião em um aspecto da vida, por vezes como escudo para não enfrentar a discussão sob outro ângulo, e ignorar a religião que diz professar em muitos outros. Ahhh... Apenas para registro, não professo nenhuma religião, mas acho engraçado quem diz que é "católico não praticante". Pensando assim, posso dizer que sou "budista não praticante", pois não pratico nada do budismo (se o faço não é intencional! hehehe).
Abraços,
Vlad.
Curiosamente, Hellen, mesmo não gostando, acabaste te manifestando. Fico feliz de ter motivado um comentário teu sobre uma questão melindrosa, por sinal bastante sensata.
É sempre muito bom te receber por aqui.
Vlad, teu comentário é irretocável. Penso da mesma forma: considero uma postura em princípio cínica pinçar de uma religião, qualquer que seja, apenas os pontos de minha conveniência. Usaste o mesmíssimo argumento que eu: como o sujeito pode ser católico e violar as regras da Igreja Católica, p. ex., sobre castidade, fidelidade conjugal, etc.?
Muitos se confessam, esperam obter um perdão e voltam a pecar. Outros nem se confessam.
Por essas e outras, deixei o catolicismo aos 14 anos, quando percebi que não concordava mais com seus dogmas e liturgia. Se não podia concordar, como poderia permanecer nessa religião? Penso que foi uma decisão honesta de minha parte e um sinal de respeito pelo catolicismo, que não tem a menor obrigação de me aturar.
No mais, "católico não praticante" e sujeito que "fuma mas não traga" parecem mesmo contradições insuperáveis. Acho que sou druida. Só que não praticante.
Sem mais comentários sobre isso, rs.
Abraços Yúdice.
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