Que és um dia de v'rão, amor, não sei se diga:
tens mais suavidade e tens mais formosura.
Em maio o vento agreste frágeis botões fustiga
e o prazo dum verão bem pouco tempo dura.
Às vezes abrasante do céu brilha a pupila
e quantas no seu ouro a escuridão avança,
às vezes da beleza todo o belo vacila
quer seja por acaso ou natural mudança.
Mas teu perene v'rão, amor, nunca feneça
nem perca a formosura que só a ti pertence,
nem a morte de errar-lhe na sombra se envaideça
quem no canto imortal o próprio tempo vence,
enquanto alguém respire ou olhos possam ver
e viva este meu verso e te faça viver.
Prestes a recolher-me à alcova, ponho os olhos em meus tantos livros de poesia. Recordo-me de que há muito tempo não compartilho convosco um pouco de minhas pérolas, que tantas alegrias me proporcionam. Então me valho do primeiro autor que meus olhos viram e lhes oferto este soneto como uma carinhosa homenagem.
In: 50 sonetos de Shakespeare. Tradução, introdução e notas de Vasco Graça Moura — prêmio de tradução Calouste Gulbenkian, da Academia de Ciências de Lisboa (1979). 2ª edição, Editorial Presença, Lisboa, 1987.
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