Situação insólita, sem dúvida, que merece algumas ponderações. A primeira delas, que faço sem a menor intenção de faltar com a ética, é que existem aprovações que podem ser comemoradas, porque indicam o mérito da pessoa, e outras que nem tanto, por variadas razões. Nesse caso, eu comemoraria menos, só não dispensando de todo a festa porque, de fato, para uma criança, não deixa de ser um feito notável, na medida em que ainda não estudou, na escola, os conteúdos supostamente exigidos no vestibular. Além de que o menino teria estudado apenas uma semana antes da prova.
Mais importante, contudo, é que uma criança não tem de modo algum maturidade para enfrentar a academia. Não por causa dos conteúdos científicos, pois uma pessoa de inteligência acima da média poderia assimilá-los muito bem. O óbice está nas exigências emocionais da universidade, sempre vinculada, de algum modo, à ideia de futuro, opções profissionais, mercado de trabalho. Aos 8 anos, não se tem essa percepção. Experiência não anda necessariamente ao lado da inteligência. Penso até que o fato de João querer ser juiz federal — um cargo poderoso, pomposo e altamente bem remunerado — sugere que ele não tem a real medida do universo profissional jurídico, estando seduzido por um desejo infantil de fazer coisas grandiosas.
A criança está tão deslumbrada que se crê plenamente capaz de cursar o ensino fundamental e médio simultaneamente à faculdade. Seria bom a família cair na real, em vez de cogitar de medidas judiciais. A legislação brasileira sobre educação condiciona a matrícula em instituições de ensino superior à comprovada conclusão do ensino médio. Por isso as IES criaram a figura do treineiro em seus vestibulares: já estavam cansadas de engraçadinhos do meio do ensino médio fazerem a prova com êxito e brigarem na justiça por uma vaga. Em bom português, a pretensão, se de fato existe, não tem a menor guarida legal.
Digo mais: a frequência de João a uma faculdade, nesta etapa de sua vida, poderia ser nociva ao seu desenvolvimento emocional. É péssimo queimar etapas. Conheço gênios que dependem de remédio de tarja preta, tamanha a sua incapacidade de lidar com a vida e os próprios sentimentos, apesar de terem ido muito longe no campo profissional e acadêmico.
Do ocorrido se tira uma lição: as IES precisam repensar os seus sistemas de seleção, para prevenir constrangimentos, para si mesmas e para terceiros. Inclusive crianças.
PS — No sítio da Globo, onde colhi esta reportagem, 532 leitores haviam feito comentários desde as 20h22 de ontem, quanto a notícia foi originalmente publicada. Como previsível, boa parte do que se diz é lixo. Pincei uma veemente defesa à efetiva matrícula de João na faculdade. Ei-la:
PORQ NAO DEICHAR O JOAO VICTOR CURSA A FACULDADE ELE PODE SIM. ELE FICARA FASENDO A FACULDADE E O ENSINO MEDIO SE ELE PASSOU E PORQ TEM COMPETECIA Q OUTROS NAO TIVERAO.E DIGO MAIS A FAMILIA DEVERIA ENTRAR NA JUSTIÇA SIM E UM MERITO DO SEU FILHO NAO PODEM TIRAR. DÔ TODO APOIU.
Com um advogado desses, João está ferrado. "Deichar", "fasendo" e "apoiu" são erros ortográficos de matar. Somam-se aos abusos na concordância verbal ("cursa a faculdade" em vez de "cursar" e "outros não tiverao" em vez de "tiveram" — horrível!). De pontuação e acentuação nem falo, porque a turma hoje em dia resolveu aboli-las por conta própria. São tantos e tão graves erros acumulados em tão poucas palavras que a conclusão é uma só: a educação brasileira está mesmo no fundo do poço.
Atualizado às 15h52 e novamente às 19h59:
"A família cair na real"? Pois a família levou o garoto para a sua primeira aula na faculdade e, não sendo possível ingressar, avisou que pretendem conversar com a direção. Ou seja, levarão o caso adiante.
E mais: francamente, a faculdade recebeu o dinheiro da matrícula!! Sem comentários...
E a repercussão vai aumentando. Agora, até o ministro da Educação quer explicações sobre o caso.
Um comentário:
Essa defesa que você mostrou parece mais uma prova de redação de nossos vestibulares.
Realmenteamigo, nosso ensino esta no chão, uma criança de 08 anos passar no vestibular , demonstra o grau de exigência de nossas universidades. Tudo bem , ele pode ser um gênio como você relata, porém ,nem emso um gênio da raça humana com essa idade seria classificadoem um exame onde realmente fossem cobrados os conteudos básicos necessários para a admissão ao curso superior.É aqula coisa amigo , o professor faz que ensina e o aluno faz que aprende, eu sei que não deve ser seu caso, tenho boas referências suas,entretanto , a grande maioria dos que lecionam seja em que grau for utilizam a máaxima acima referida. Mercantilizaram o ensino amigo yudice, e com isso possibilitam a ocorrênia do descalabro indicado no seu post.
Postar um comentário