sexta-feira, 7 de março de 2008

Reciprocidade

No início dos anos 90, a economia brasileira enfrentava graves crises. Ficou famoso, na época, o chiste de que a saída para o Brasil era o aeroporto. Dentre os que acataram a sugestão, estavam muitos dentistas, que se aproveitaram de um acordo entre Brasil e Portugal, reconhecendo como equivalentes os diplomas emitidos por universidades de ambos os países, o que lhes dava o direito de exercer a profissão além mar. Ocorre que os brasileiros, considerados de melhor formação e mais competentes, começaram a ter mais clientela que os portugueses e estes, claro, protestaram. Eclodiu um incidente que, no final, levou à alteração da legislação portuguesa, para a proteção do mercado de trabalho interno.
Após 11 de setembro de 2001, todo o mundo pagou a conta da histeria de segurança dos norteamericanos — os brasileiros incluídos, obviamente, embora não sejamos um país muçulmano nem tenhamos histórico de terrorismo (exceto, para eles, quanto ao sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 4.9.1969).
Em 22 de julho de 2005, Jean Charles Menezes, tentando a sorte na Inglaterra, foi covardemente assassinado pela polícia londrina, confundido com um terrorista muçulmano, numa ação condenada mundo afora, mas aplaudida e premiada pelos próprios britânicos.
Em março de 2007, 12 paraenses, que em Belém vivem confortavelmente, foram fazer turismo nas Bahamas, possuindo passagens de ida e volta, reservas em hoteis de luxo e dinheiro para gastar. Acabaram detidos no aeroporto de Nassau. Foram algemados e humilhados por mais de 20 horas, até se consumar a deportação sem motivo aparente. Receberam tratamento de criminosos, com direito a passagem por uma penitenciária.
Longa seria a lista de abusos cometidos contra a cidadania brasileira no exterior. O caso dos brasileiros deportados da Espanha, desta semana, é apenas mais um item desse rol. Também longa é a tradição de reciprocidade, como parâmetro essencial das relações entre as diversas nações. A reciprocidade supre, inclusive, a falta de tratados, acordos ou convenções internacionais. Reciprocidade é uma espécie de lei inscrita na consciência dos povos que se dizem civilizados. Todavia, embora a palavra indique, em sua essência, uma via de mão dupla, parece que inventaram uma relação recíproca onde só um lado se beneficia e o Brasil se lasca. Obviamente, uma contradictio in adjectis.
O Brasil sempre recebeu de braços abertos estrangeiros de todas as partes do globo. Aqui vivem as maiores colônias de diversos povos, migrados de suas terras natais. Aqui, japoneses, italianos, eslavos, judeus se radicaram, enriqueceram, fizeram uma história. Para cá vieram as vítimas do holocausto nazista e até os nazistas — que o diga Joseph Mengele. Para cá vieram ditadores latinoamericanos, alijados do poder. Nunca faltou camaradagem para os irmãos estrangeiros.
Não é assim, porém, que somos tratados lá fora. Por isso, do fundo do meu coração, apoio qualquer medida que as autoridades brasileiras tomem em relação aos estrangeiros, para garantir a tal reciprocidade. A reciprocidade real e não a declarada, da boca para fora. E não precisam inventar desculpas, dizendo que não é retaliação. Podem retaliar, sim. Quem começou foram eles. Só peço que se honre a tradição brasileira da boa vontade (na qual não acredito totalmente), no sentido de que os estrangeiros sejam tratados com respeito. Que não sejam humilhados, algemados e recebam alimentação suficiente e decente. Sugiro, inclusive, comidas típicas. Assim eles terão ao menos uma ideia do que é o Brasil. Quem possam também telefonar e pedir auxílio. Que fiquem em salas confortáveis, com banheiros, TV e, quem sabe, acesso à internet. Mas que somente recebam autorização para entrar no país se cumpridas todas as exigências que seus próprios governos fazem para o ingresso de brasileiros.
Assim deixaremos de ser os babacas mundiais e construiremos uma nova identidade na comunidade internacional, onde soberania, respeito e reciprocidade não sejam trágicos engodos.

7 comentários:

Sergio Lopes disse...

Amigo, você tem razão em seu post, morei 01 anos fora do Brasil ( EUA/Detroit) e posse te falar de cadeira que a discriminação com brasileiros e latinos nos países do tido como 1o mundo é revoltante. Passei por poucas e boas,tinha 16 anos e posso te dizer que tal experiência embora enriquecedora e apaixonante , deixa marcas por toda a vida. Você começa a valorizar coisas pequenas que muitos não valorizam como: liberdade, humildade, responsabilidade e principalmente a família que é a base de tudo. Não falo em patriotismo, por que em um mundo globalizado e com os problemas socias e representantes politicos que temos, fica difícil ter orgulho da pátria.
Porém, posso lhe dizer com todas as letras , viver no seu país e buscar a sua melhora, deve ser o objetivo de todos que tenham uma visão moderna de mundo. Por mais globalizado que ele seja, existem laços de cultura, convivência e humanidade que não se rompem.

Anônimo disse...

É por tratarem-nos assim, que fico cada dia mais com medo de viajar para o exterior, logo eu que tenho traços de "batricio".

Anônimo disse...

Muito bom o texto. Inclusive, a esse propósito, já foi realizado, hoje, deportação de esponhoes que aqui se encontravam. Ver http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u379596.shtml. Importante frisar que tais deportações ocorreram por conta de irregularidades e não por conta de retaliação. Mas acredito que deve sim vingar a lei da reciprocidade. Seria, como você bem observou, um gesto de soberania, o qual certamente enquadraria o Brasil como um país que mereça respeito.
Valeu pelo texto, professor!

Frederico Guerreiro disse...

Vejamos o seguinte exemplo: o que os brasileiros pensam dos paraguaios? Que são uns contrabandistas, traficantes, ou seja, a quintessência de tudo o que não presta, certo? Pois é. Lá fora também temos um rótulo, uma espécie de DNA cultural. Somos o maior puteiro do mundo. Pra cá vem tudo o que não presta e sai tudo o que de pior pode ter para os preconceituosos e ignorantes estrangeiros. E o mundo está cheio deles.
Concordo com você, amigo, que devemos, na medida da reciprocidade, ser bem mais rigorosos com os espanhóis que procuram nossos "puteros". Se estão irregulares, que embarquem de volta para a casa do Carvalho. Tudo bem que comam e não gostem de nossas putas. Mas que não venham falar mal do puteiro.

Anônimo disse...

Eu acho que esse tema e as reações mais digamos, "nacionalistas", a ele mostram como nós brasileiros conhecemos pouco a nós mesmos e o nosso país. Muito embora poucos de nós tenhamos informações concretas sobre os brasileiros detidos e mandados de volta, o ânimo de retaliação parece mover a maioria e muitas vezes esquecemos que muitos dos brasileiros que estão fora do Brasil não têm condições de morar em qualquer sociedade organizada do mundo, ou onde a legalidade seja verdadeiramente levada a sério. Segundo fora noticiado, a Espanha, assim como vários outros países, está repleta de prostitutas, travestis, trabalhadores ilegais ou ainda aqueles que simplesmente passam a viver da seguridade social do país, sem a menor perspectiva de se integrar e contribuir com as sociedades em que se estabelecem. Mas o problema se torna mais agudo, quando estes trazem consigo não apenas o exercício de várias atividades que não as mais edificantes, mas passam a integrar uma teia complexa de ilegalidades cada vez mais lesivas aos demais cidadãos. Sem levar isso em consideração é fácil condenar os Espanhois e exigir por meio de retaliações, que os outro países nos "levem a sério".
O Brasil não é um país sério, tem pessoas sérias, mas definitivamente não pode pleitear esse patamar. Mandar alguns espanhois (também não sei quem eram eles) não vai mudar a idéia de que somos corruptos,desorganizados e pouco confiáveis. Pelo contrário, mostrará que diante de temas sérios, tomamos atitudes afetadas e que com elas mascaramos os nossos reais problemas e é por isso que não nos respeitam...

Mas se a retaliação já se tornou quase que uma unanimidade, então eu faço aqui a minha proposta: Mandar de volta todo estrangeiro solteiro, acima de 40 anos, barrigudo, consumidor costumeiro de álcool e sem um motivo plausível para estar no país. As nossas crianças em situação de risco certamente se beneficiarão de tal medida.

Roberto Barros.

Vladimir Koenig disse...

Yúdice, CLAP CLAP CLAP.

Roberto Barros, creio que voc~e não compreendeu bem o texto do Yúdice. Ou então, quem não entedeu patavinas fui eu. Afinal, não vi a retaliação pregada pelo Yúdice com lastro na reciprocidade não é desarrazoada e desproporcional. Ele apenas sugere que deixemos de ser bundas-moles e passemos a nos impor com seriedade.

Abraços,

Vlad.

Yúdice Andrade disse...

Meus amigos, perdão por demorar tanto a responder. É a conjuntura.
As colocações feitas exprimem pontos de vista bem contrapostos - o que faz um bom debate. Gostaria de esclarecer, apenas, que não sou xenófobo e acho muito importante estimularmos o turismo internacional. Também não seria sensato defender retaliações puras e simples. O meu ponto de vista foi de fato captado pelo Vlad. O que proponho é apenas respeito: que nos façamos respeitar.
Ora, pitombas, muitos europeus vêm ao Brasil única e exclusivamente para fazer turismo sexual, inclusive porque lá fora se vende que aqui é fácil transar com crianças e conseguir virgens. Não podemos fechar o cerco em torno disso?
Para mim, é simples. Cada país define seus critérios de recepção de estrangeiros. Precisamos ter os nossos e fazê-los cumprir. E se houver o ensejo, deportar quem não atenda a esses requisitos. Não fazer disputa numérica de deportados, mas deixar claro que seremos, sim, mais rigorosos, se esse é o tratamento dado aos nossos conterrâneos.