sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Barbárie

Nenhuma sociedade estará jamais livre do crime. É usual dizer-se que o crime é um fenômeno natural e inevitável na dinâmica das sociedades e há teóricos que chegam a afirmar que, mais do que inevitável, o crime é também necessário, para garantir certos movimentos de reação úteis à adaptação das pessoas ao mundo em que vivem. Teorias mais ou menos extravagantes à parte, não dá para pensar em nada disso quando tomamos conhecimento de que a nossa cidade a nossa Belém, outrora tão pacata tornou-se palco de mais um faroeste caboclo, num bairro central e de altíssimo movimento, à luz do dia.
Golpe da saidinha, perseguição policial, sequestro, tiroteio, bala perdida, execuções. Que panorama terrível!
Hoje será dia de se escutar um sem número de críticas ao governo do Estado e sua falta de políticas para a segurança pública. Não deixa de ser verdade. Assim como também é verdadeiro que em todo e qualquer país de primeiro mundo cenas parecidas podem acontecer e acontecem, ainda que por motivos diversos. O que denuncia a situação de risco em que nos encontramos são elementos como a quantidade de saidinhas que acontecem, a despreocupação dos bancos em proteger os consumidores e o despreparo da polícia para lidar com situações de conflito, sobretudo quando há reféns. No caso de ontem, a refém levou um tiro de raspão no rosto. Não fosse de raspão, ela poderia estar morta agora.
O episódio nos apresenta novamente uma velha questão: os policiais, ao matarem três criminosos, agiram no estrito cumprimento do dever legal ou incorreram em excesso? Era mesmo preciso atirar pelas costas do sequestrador, se ele estava cercado? Ou estamos diante da reação esperada da polícia, quando um dos seus é morto? Podemos esperar que cada um dos membros dessa quadrilha seja executado, em situações supostamente de resistência à prisão. Pode anotar.
Anote também que a população, tão sequiosa de sangue quanto os próprios bandidos que diz odiar, aprovará a ação.

Enquanto isso, a imprensa perde de vez a compostura e estampa, contra decisão judicial expressa, fotos e mais fotos e mais fotos de cadáveres. Não é de hoje que venho dizendo que, pouco a pouco, como quem não quer nada, os abutres da notícia vão demonstrando o seu menosprezo à Justiça e, mais do que isso, a valores basilares de civilidade, ao encher seus jornalecos com as imagens do mundo cão. Normalmente, a imprensa não se preocupa com a civilidade, mas exige respeito a ela mesma senão o único, com certeza o seu principal objeto de interesse. Mas, neste caso, ela não parece nada disposta a fazer valer a decisão judicial.
Quero ver se, depois de hoje, depois da fotografia de um sujeito morto com a cara dividida em dois, alguém vai se lembrar de chamar os (ir)responsáveis e, quem sabe, aplicar a multa que está prevista para a hipótese de desobediência.

5 comentários:

Rita Helena Ferreira disse...

Caro Yúdice,

Acabo de chegar de uma maravilhosa viagem pelo Sul do país e por SP. De certo, ainda contaminada pelo deslumbramento de viajante, mas alguns comentários são necessários:

Reclamações com relação à segurança há em toda parte, mas nada, nada, nada comparado à Belém. A questão é simples. Em São Paulo, capital, por exemplo, a violência me pareceu ser setorizada. Ao pedir conselhos sobre o uso da máquina digital para um amigo, que mora na capital há quase 5 anos, fiquei surpresa ao ouvir: nesse lugar, pode ficar tranquila. Nesse outro também. Exemplos: Avenida Paulista, Parque do Ibirapuera, Vila Clementino e alguns tantos outros.

As pessoas andam com jóias, aparelhos eletrônicos, notebooks, com uma tranquilidade assustadora.

É claro que, com relação à 25 de Março, por exemplo, a atenção quanto aos cuidados foi forte. Mas, repito: nada como Belém!

Daí a tristeza ao pensar que, em Belém, não tenho coragem de dizer para nenhum turista ficar tranquilo em algum lugar público aberto. Nem pensar!

Triste porque não é aceitável que Belém já tenha chegado no estado que chegou...

Tudo bem, não posso esquecer que Recife (para onde fomos em outras oportunidades) se equivale ao caos que nos encontramos, lugar onde, sempre que vamos, recebemos alertas sobre os nossos pertences, que não podem ser expostos nos lugares públicos.

Mas, será que Belém, pelo seu tamanho, já deveria ter chegado onde chegou???

Quanto ao Sul, melhor nem comentar... :)

Aliás, sequer vou falar de organização, planejamento, educação, limpeza...

Bom, era isso. Amo minha terra. E por amá-la tanto, sofro tanto com isso.

Um Feliz Natal para você e para sua linda família!!!!!

Antes do ano novo, passo por aqui!!!

Beijos.

saibadascoisas disse...

Prezado Yúdice.
Como cidadão, comungo da sua indignação. Há um ano, à frente do Programa Segurança Cidadã, do Governo do Pará, causa-me inquietude ainda não ter alavancado em nossas instituições de segurança pública a postura de prevenção.
Somos historicamente reativos.
Incomoda-me ainda mais lembrar que isso é uma regra geral para quase todas as organizações em nosso Estado, especialmente (neste caso) as instituições financeiras.
Nossos "bancos" não querem ter despesas, apenas lucros.
Mas, eis que nem tudo está perdido.
Nos últimos 15 dias, o Programa Segurança Cidadã e o Comando de Policiamento da Capital (órgão que estou à frente, há 25 dias) reuniram todos os principais atores que podem dar alguma contribuição para "combater" o Golpe da Sainha.
Durante nossos encontros, apresentei algumas medidas de prevenção que poderíamos adotar para evitar a ocorrência do chamado golpe da saidinha.
E vou lhe adiantar algo em primeira mão (que não publiquei nem no meu blog SAIBA DAS COISAS):
- O Banpará será o primeiro banco de nosso país a efetuar mudanças no lay out de suas agências e adotar alguns procedimentos muito interessantes em relação a esse problema que vem afligindo a nossa população.
Por isso, gostaria de lhe convidar a visitar a agência do Banpará na avenida Nazaré, ao lado da Basílica, para avaliar as medidas.
A Agência Nazaré será o nosso grande teste.
Faremos um formulário de avaliação para o cliente se manifestar sobre as mudança efetuadas.
Essas mudanças (simples e baratas) estão sendo procedidas neste fim-de-semana, pelo próprio banco, com orientação da nossa equipe do Programa Segurança Cidadã.
Vá lá conferir e não esqueça de nos visitar no Blog Saiba das Coisas.
Ah, tb gostaria de lhe convidar para visitar o nosso link do COMANDO DE POLICIAMENTO DA CAPITAL, na página da POLÍCIA MILITAR DO PARÁ (www.pm.pa.gov.br).
Está em teste... virão muitas novidades por aí.
Ainda não é hora de jogar a toalha!
Peço sua ajuda,apoio e compreensão.
Um abraço.
Coronel PM Costa Júnior - Comandante de Policiamento da Capital

Yúdice Andrade disse...

Sempre que viajo fico sensação semelhante, Rita. Não é deslumbramento, mas um estranhamento ante a uma realidade que poderia ser muito diferente. Sofremos porque amamos esta cidade e largá-la de mão não é nossa opção ou desejo.

Caríssimo Cel. Costa Jr., quanta honra tê-lo de novo por aqui. A sua contribuição é tão valiosa que merece inclusive uma postagem específica.

saibadascoisas disse...

Yúdice e Sra Rita Helena.
Na condição de Comandante de Policiamento de nossa capital, sei da responsabilidade que possuo.
Quero dizer, também, que divido esta responsabiliade com 2.300 profissionais policiais militares, que também são cidadãos de nossa querida Belém. E como cidadãos, também pecisamos de segurança para nós e para nossa família.
O evento da quinta-feira tirou de nosso convívio, o cabo Moisés, da 2ª Zpol (Zona de Policiamento) e isso nos deixou muito tristes. Sem comentar as dores de seus familiares. A Polícia Militar deu toda a asistência à família, através do Serviço de Psicologia e Assistência Social. A instituição custeou todo o funeral de seu integrante e lhe prestou honras fúnebres.
Isso era o mínimo que podíamos fazer.
Mas, a coporação e a família perdeu um ser humano. Nada o trará de volta.
A ocorrência foi um novo ensinamento. Ela será utilizada para estudo de caso e certamente redundará em nosso aprimoramento.
Em ocorrência como a que se eu na Travessa 3 de Maio, é preciso que o cidadão entenda, ela não teve as etapas que normalmente se sucedem numa ocorrência com refém.
Normalmente, há o cerco, o isolamento e a contenção. Depois,é normal que haja uma estabilização. Em seguida se dá a negociação.
Mas, nem bem ocorreu o cerco e o clima ainda estava muito tenso. O cidadão infrator já havia efetuado dois disparos e isso gerou toda a tensão, inclusive entre os policiais.
O assaltante não demonstrava a intensão de se render e apontava a arma para a refém. Foi nesse momento que um dos policiais efetuou o disparo no assaltante e ademais as imagens mostraram o que ocorreu.
A D. Rita tem razão: a nossa cidade parece que tem algo diferente. Nossos jovens perderam os escrúpulos. Parece que assaltar par eles é "se dar bem".
Há por trás disso(acredite) todo um incentivo ao consumo e a questão das drogas.
O incentivo ao consumo se dá porque o jovem ir aos seus encontros sociais vestido com a melhor roupa e calçando o melhor tênis. Chega numa festa de Tchnobrega, ele quer impressionar as jovens no baile. Ora, se ele não tem renda, está desempregado, como é que ele conseguirá trajar-se e adquirir, na festa, a cerveja ou outra bebida qualquer?
Ele precisará subtrair de alguém.
Por outro lado, a questão das drogas. Quase que 90% dos homicídios em nossa capital estão ocorrendo por acerto de contas. E as drogas estão por trás dessas ocorrências.
Decerto que eu escreveria centenas de linhas neste blog e não esgotaríamos o assunto.
Mas, resumidamente, estamos perdendo para a desestruturação familiar, pela ausência de Deus na vida das pessoas, pela baixa qualidade do ensino público e pela proliferação das drogas.
E nós, policiais aqui na ponta de todo o problema... fazendo o papel de pai, de professor, de juiz, de médico, de padre, de pastor... numa luta incansável, que não vai resolver nunca o problema.
Não quereos dizer que o nosso trabalho não seja importante e necessário.
Mas, é bom que cada cidadão reflita que antes do trabalho policial, muitas esferas da sociedade estão falhando.
É apenas uma breve reflexão.
Cel PM Costa Júnior - Comandante de Policiamento da Capital
POLÍCIA MILITAR DO PARÁ

Yúdice Andrade disse...

Coronel, mais uma manifestação que irá à ribalta.