terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Contrato rompido

Da sempre lúcida Luiza Duarte:

Também me considero do "pessoal dos Direitos Humanos". Acho essencial que mantenhamos os princípios da dignidade, justiça e fraternidade em relação a todos, inclusive aos "menos humanos" (acho que é isso que as pessoas acham dos "marginais").

Por outro lado, tento compreender o que leva pessoas normalmente solidárias e justas a comemorar a morte de um bandido ou seu espancamento por populares. Na verdade, a maioria das pessoas tem essa reação hoje em dia. Na minha casa, sou a mais absoluta exceção. Então, porque meus pais, irmãos, namorado e amigos (enfim, pessoas que eu amo e considero boas) acham mesmo que "bandido bom é bandido morto" e que "o pessoal dos direitos humanos só defende bandido"?

Pode ser ignorância, pode ser falta de informação, pode ser a imprensa sensacionalista e outras mil coisas. Ou todas elas juntas. Se eu tivesse que apontar, porém, uma razão maior, eu diria que a causa disso é a falência do estado brasileiro e de suas instituições em geral.
O contratualismo necessita de instituições fortes. Os homens abrem mão de sua liberdade (inclusive a do "olho por olho, dente por dente") em troca de uma ordem social e de sua própria segurança. As instituições brasileiras (sendo nesse caso específico as mais importantes a polícia e o Poder Judiciário) vem falhando visivelmente na garantia de ambas.

A imprensa, sensacionalista ou não, noticia que criminosos condenados continuam soltos e seguem roubando ou matando livremente. Os réus de "colarinho branco" nunca chegam a uma punição de fato. O prefeito corrupto é cassado e continua no cargo. Mensalmente há uma fuga em alguma delegacia, etc. Desculpem, mas é muito difícil para um leigo entender todas as nossas justificativas jurídicas para esses fatos. Alguns casos podem até estar corretos, mas outros são fruto de mero despreparo, morosidade, desinteresse e mais corrupção, o que leva todos os casos à vala comum da impunidade, na visão dos jurisdicionados.

Na visão das pessoas, elas, cidadãs de bem, trabalhadoras, cumpridoras das leis, pagadora de impostos, etc, se vêem tolidas no seu direito de dormir em paz quando os filhos saem, de andar à pé durante a noite (dirigir também assusta!), de se demorar no carro na frente de casa, de tirar dinheiro no banco, de andar de relógio ou atender o celular na rua, de sentar na calçada pra conversar e outras pequenas necessidades ou desejos que é absurdo que não possam satisfazer. E, na visão dessas pessoas, a culpa é dos “bandidos”, que a “polícia corrupta e incompetente” não tem condições de prender e, quando prende, “a justiça solta”.

Então, seguindo a lógica do contratualismo, se o governo falha nas garantias estipuladas ou ultrapassa os limites de seu poder, o contrato está rompido e o povo tem o direito de se rebelar. Parece que ele está se rebelando e por mais que achemos isso chocante, não podemos dizer que é totalmente incompreensível.

Um comentário:

Ana Miranda disse...

Cara Luiza, muito elucidativo seu texto.
Há realmente uma falta de informação sobre o assunto.
Aqui na minha casa, ocorre o contrário da sua: somente eu faço esses discursos inflamados, meus filhos e meu marido são bem sensatos.
Já pensei que "bandido bom é bandido morto", mas alguns episódios acabaram por mudar minha visão em alguns aspectos da vida. Nesse caso, especificamente, foi a história de um rapaz que pintava a casa de uma família e matou a mãe e a filha com requintes de crueldade. Eu, é claro queria que ele desaparecesse da face da terra. E aí, eis que ele aparece morto, de um jeito muito estranho e não houve o menor interesse em desvendar a causa de sua morte, pois bem, no seu enterro não apareceu nem sua mãe e o coveiro recusou-se a enterrá-lo, o fez sob pressão policial, ou ele enterrava ou ele iria preso.
Essa história me fez parar para pensar: que tipo de vida teria tido esse jovem? Como sua própria mãe não chora sua morte? Como alguém se recusava a enterrá-lo? Como ninguém se preocuva em saber a causa de sua morte?
Depois ficamos sabendo de algumas coisas sobre sua vida, eu sei que não é justificativa usar seu sofrimento, para fazer sofrer outras pessoas, mas quem conhece só a violência, faz uso dela para se proteger...
Mas ainda me revolto muito com a crueldade com que os criminossos estão se utilizando para assustar as pessoas. Estamos a mercê do nosso próprio medo, e isso é claro gera essa revolta que estamos presenciando diariamente e dá a eles, os bandidos, garantia de se saírem bem sucedidos em seus crimes.