sábado, 4 de agosto de 2007

As emoções de O guarani

Sim, a montagem que O guarani recebeu este ano, no Theatro da Paz, é tão boa quanto produções anteriores, dos tempos da tucanalha. Portanto, se alguém abrir a boca para dizer que o governo petista acabou ou ao menos prejudicou o festival de ópera, já uma tradição nossa, estará dizendo uma imensa idiotice. Nossas produções estão longe de ser impecáveis, mas são muito, definitivamente muito boas.
De saída, há que se observar que a maior parte dos envolvidos é a mesma: o orquestra sinfônica do Theatro da Paz, o coral Marina Monarcha e seu simpático regente (Vanildo Monteiro) e o corpo de baile de Ana Unger. A maior diferença é que a produção não está mais assinada pela empresa São Paulo Imagem Data, que reinava soberana nestas terras há anos. A mudança de equipe é salutar pois, como escrevi aqui em outras oportunidades, os paulistas já estavam ficando bastante preguiçosos na hora de conceber os espetáculos.
De saída, percebemos que o figurino e a cenografia do espetáculo estão bons. Ao contrário da pobreza vexatória exibida em Madame Butterfly, desta vez optaram por imagens digitalizadas da floresta, que chegavam ao palco em colagens. Minha primeira reação era de "oh, vejam uma colagem a partir de imagens de computador!" Mas em seguida se percebe que o conjunto fica visualmente bonito. Realmente parecia que tínhamos uma floresta diante dos olhos. Bem mais convincente do que o ridículo raminho de plástico, comprado a R$ 1,99 na Belém Importados (refiro-me ao ramo de cerejeira da montagem supracitada). Portanto, o cenário foi o melhor dos últimos anos.
O que pode provocar maiores resistências foi a decisão, do diretor, de mesclar a ópera em si com imagens atuais. Quando a récita começa, a primeira coisa que vemos é um museu, expondo manequins com trajes de O guarani. Ao fundo, em destaque, uma estátua de Carlos Gomes. Existe uma patricinha falando ao celular, que é admoestada pelo vigilante (que acaba se tornando um personagem condutor do que vemos), um desenhista com jeito de fã de reggae (era o meu irmão, que depois volta como português; por sinal, é ele que mata a donzela aimoré, pivô da confusão contada na trama) e outros visitantes. O museu fecha e os personagens ganham vida: saem do acervo da exposição para contar a história. Ao final, terminamos de volta no museu, com o detalhe de que um cocar apareceu na cabeça da estátua.
Se essa livre criação causou estranheza, e até desagradou a alguns, de minha parte achei-a simpática. Afinal, Carlos Gomes passou o último ano de sua vida aqui em Belém, já acometido do câncer de garganta que o matou, dirigindo o conservatório que hoje, fundação, leva o seu nome. Por isso, existe um chamego especial com ele, um sentimento talvez de pertencimento. Para mim, essa ideia do museu, centrado nos dias atuais, serviu para mostrar como Carlos Gomes é especialmente importante para nós. Gostei.
Falhas? Num espetáculo desse porte, sempre as haverá. O programa foi rodado em quantidade insuficiente e acabou antes de eu e outros entrarmos. Acabou a lâmpada do projetor, fazendo aparecer um ícone na tela e, durante a substituição, a legenda sumiu. Umas três frases perdidas. Uma bailarina no canto esquerdo errou feio, mas retomou a coreografia. Um spot traseiro se acendeu na hora errada e apagou. Bobagens, que não tiram o brilho do trabalho feito em tão pouco tempo (isto sim um problema, já que sugere falta de políticas de longo prazo).
Esquisito, mesmo, é Peri ser chamado de "leão da floresta" e de "tigre do deserto". Os índios do século XVII não conheciam leões nem tigres, muito menos desertos. Uma terrível ratada do libreto.
Só acho que ficou alguma coisa no ar. A orquestra foi impecável, mas não me emocionou como em outras ocasiões. Os cantores saíram-se muito bem, mas sem virtuose. O público aplaudiu de pé, mas não houve a mesma ovação enlouquecida de anos anteriores. Difícil saber o que poderia ter sido melhor. É uma questão de bater com a emoção.
Enfim, uma noite adorável, que eu espero continue sendo repetida e com cada vez maior competência.

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