Na manhã de 20 de agosto de 1985 — lá se vão 22 anos —, por volta de 8 horas da manhã, saí pela porta da cozinha de minha casa e fui até o pátio, onde estava preso o nosso cachorro, um vira-lata de porte médio e temperamento infernal, que metia medo na vizinhança. Por infeliz escolha de minha mãe, o indigitado chamava-se Freeway, que era o nome do cachorro do casal Johnathan e Jennifer Hart, protagonista do breguíssimo seriado Casal 20, no ar por aqueles tempos. Os cães seguintes receberam nomes melhores.
Criança sabe como é. Fui dar bom dia ao cachorro e vi que ele tremia. Devia ser frio, por isso me abaixei para cobri-lo com um pano. Sem qualquer aviso prévio, Freeway pulou sobre mim e fez um estrago no meu rosto e pescoço. Segundo o médico, os caninos penetraram na carne o bastante para implicar em risco de morte, se tivessem atingido a jugular, o que não ocorrera por pouco. Não sei se foi terrorismo do esculápio, mas o incidente me trouxe grandes dissabores, principalmente quando o ferimento infeccionou gravemente, devido a uma pequena tolice que fiz. As sessões de limpeza do ferimento infeccionado valeram por sessões de tortura, posso garantir. E ainda escutei de uma auxilar de enfermagem — um primor de profissional — a seguinte pérola: "Ai, isso está quase virando grangrena". Aos 10 anos, eu sabia o que era grangrena e estou certo de que a única coisa grangrenada ali era o caráter daquela ordinária, que não respeitou minha dor nem o choro copioso de minha mãe.
Meu maior dissabor, contudo, foi que alguns dias depois Freeway surtou de vez e botou para correr meu irmão e minha tia, as duas pessoas da família que estavam em casa. Foi preciso chamar reforços para prender o cachorro e, nisso, ele acabou enforcado. Seu corpo foi jogado por aí. Para me poupar, disseram-me que ele fora mandado para o canil da Polícia Militar, onde aceitavam cães ferozes. Assim, ele poderia ter uma valorosa carreira no combate ao crime.
Criança, sabe como é: acreditei. Anos se passaram até me contarem a verdade. Tudo bem, isso agora é apenas uma lembrança distante, que veio à tona quando meus olhos bateram na data de hoje.
Ainda penso que minha trajetória podia ter-se encerrado aos 10 anos de idade. Teria sido chato. Mas fiquei por aqui e ainda posso contar esta historinha boba para vocês. Com tudo isso, continuo adorando cachorros.
3 comentários:
Agosto, mês do cachorro louco!
Menos poodles, né?
Foi a primeira postagem do mês, caro anônimo!
Ivan, não me leve a mal. Tenho as minhas restrições... Mas cachorro de amigo meu é meu amigo também.
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