sábado, 4 de agosto de 2007

Outras emoções de O guarani

Deixei para falar em separado do que eu não gostei em O guarani. A surpresa é que minhas contrariedades foram todas causadas pela mesma pessoa, que atendia pelo nome de Antônio Carlos Gomes. Isso mesmo, o autor.

A ópera é longa demais. Não me critiquem, sei muito bem que, no século XIX, as pessoas iam aos teatros para ver e ser vistas. O desfile era mais importante do que o espetáculo em exibição. A vida cultural tinha menos opções, daí que ficar horas a fio num teatro era um acontecimento, porque no restante do tempo só havia o tédio. Produções do gênero costumavam ser longas, mas o problema de O guarani é uma certa falta de objetividade. Minha ópera favorita, Turandot, também é longa (tem três atos), mas tudo o que mostra tem um sentido de condução da história. Enfim, não sou do ramo e muito menos crítico (Deus me livre!). Estou apenas externando uma opinião de consumidor do produto, um consumidor que adora óperas.


Cecília é uma chata. Não me refiro à soprano paraense Adriane Queiroz, que defendeu sua missão com muita competência. O problema é a personagem, mesmo, uma adolescentezinha saltitante e gargarejante, deslumbrada que só ela. Suas árias incluíam aqueles gorjeios destinados a mostrar o talento da cantora, que fizeram muito sucesso em certos estilos operísticos. Pessoalmente, não gosto. Creio que o diretor percebeu a patricinha que tinha nas mãos e lhe deu até um balanço de corda. Céus!


O pior e verdadeiramente imperdoável defeito de O guarani, contudo, é o discurso de superioridade da Igreja Católica. Peri já provara, por diversos atos, sua bravura, sua lealdade ao português (que, por sinal, na condição de colonizador, não lhe merecia nenhuma consideração), mas mesmo assim ele só se torna digno de receber Cecília (para proteção, não para casamento) quando renega seus "ídolos guaranis" e jura a fé no Deus cristão. Não acredito que um índio renegasse tão facilmente as tradições de seus antepassados, ainda mais seus deuses. Peri o faz. E jura uma fé que desconhece, pois somente crendo no tal "Deus único e verdadeiro" ele poderia ser, de fato, um homem de valor.

Carlos Gomes, com isso, serviu aos interesses dos europeus que o acolheram e ensinaram, especialmente a Itália, onde se fixou e onde fica o Vaticano, que deve ter dado gritinhos de contentamento. Através de O guarani, ele afirma com todas as letras que índio bom é somente o índio aculturado, serviçal voluntário do explorador europeu e catequizado para o serviço da Igreja Católica. Revoltante. Pode até fazer sentido na época em que Gomes viveu e no meio em que estava inserido. Pode ser que ele acreditasse firmemente nisso. Mas eu, como cidadão, tenho o direito de fazer um pouco de revisionismo histórico, não tenho?
O guarani é uma bela ópera. Mas longe de defender um amor que enfrenta preconceitos (e não enfrenta, não, porque Peri e Ceci não ficam juntos, como marido e mulher; ele deve apenas levá-la em segurança a seus parentes, para que um dia ela se case com algum fidalgo português), sua mensagem é triste e politicamente incorreta. Essa não dá para perdoar.

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