Um dos problemas mais graves que nós, professores do ensino superior de Direito, observamos nos cursos pelo país afora é a padronização. Como tudo no mundo, parece haver um ideal de isomorfismo que nos remete ao videoclip de "Another brick in the wall", do Pink Floyd, com as crianças caindo em uma enorme máquina e saindo de lá somente a linguiça. Temos que comer igual, vestir igual, dançar igual, etc. Com a educação não poderia ser diferente.
Justamente por isso, nos últimos anos o Ministério da Educação tem pedido que os interessados em abrir novos cursos de Direito justifiquem inovações em seus projetos, a fim de demonstrar porque são necessários, mormente onde já existam faculdades funcionando. Mas o projeto submetido às comissões de especialistas pode ser, digamos, adaptado na fase de efetiva realização. E aí campeia a mesmice, com experiências exemplares surgindo aqui e ali, eventualmente.
A Universidade Federal de Goiás, contudo, resolveu impressionar e criou um curso de Direito destinado especificamente a assentados rurais, em áreas destinadas à reforma agrária ou à agricultura familiar. Trata-se de um curso regular de graduação, com os cinco anos habituais e as disciplinas inerentes a essa área do conhecimento. Todavia, haverá disciplinas específicas e um enfoque particular às necessidades desses brasileiros. O Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, que articulou o curso, quer capacitar os seus próprios integrantes para não mais depender de terceiros.
A coisa é tão incomum que um Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, proferirá a aula inaugural (coisa que só costuma acontecer em instituições ricas).
Imagino que a sociedade brasileira, onde até os pobres são elitistas, repudiará tal curso, pois os trabalhadores sem terra são odiados de norte a sul do país. Ainda por cima, as despesas de funcionamento dessa graduação serão suportadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, portanto dinheiro público.
Atearam fogo para uma fogueira grande, certo? Corretíssimo. O Ministério Público Federal de Goiás já entrou em ação, questionando se não seria ilegal criar um curso público com destinatários certos. Um precedente recente — curso de Administração à distância criado apenas para servidores públicos, em Santa Catarina — foi objeto de suspensão judicial, por quebra da isonomia entre os cidadãos.
O caso promete. Mas, enquanto isso, lamentemos a perda da aula magna, ocorrida sexta-feira passada. Vide o convite.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u321458.shtml
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