quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Má indicação

Os provincianos minúsculos destas paragens — não são poucos — devem comemorar a indicação de Carlos Alberto Direito para a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal, porque ele, atualmente ministro do Superior Tribunal de Justiça, é paraense. Já podemos esperar aqueles comentários ridículos do tipo "ele está levando o nome do Pará à Corte Suprema!" Lamentável, mormente se lembrarmos que Direito nasceu aqui em Belém, mas se mudou com a família para o Rio de Janeiro aos dois anos de idade. Passou a vida lá. Na prática, é carioca. Sua chegada ao STF não traz nenhum benefício, sequer moral, ao Pará.
Todavia, pode ser bastante problemática para o país. Motivo: Direito é um ativista católico. Em duas postagens, o amigo CJK menciona essa condição e informa que setores tidos como progressistas estão descontentes com a indicação, pois ela pode implicar em um grande retrocesso. Afinal, nestes tempos em que se discutem as implicações da ciência e da tecnologia sobre o Direito e em que a Bioética está na ordem do dia, nada pior do que o Supremo passar a ser integrado por alguém que vá buscar vereditos na Bíblia (e depois dar um jeito de justificá-las no ordenamento jurídico).
Por favor, não conheço o ministro Direito (que nome, hein? impossível evitar os trocadilhos) e posso estar errado quanto a suas posturas. Ele é apontado como um homem humilde e pode ser capaz de separar os seus campos de atuação. Mas o meu receio é justificável. Afinal, a Igreja Católica há anos perde fieis como uma represa rachada e, no afã de manter sua hegemonia, adota medidas cada vez mais invasivas sobre a vida civil. Como ainda predomina no Brasil, aqui todo mundo esquece que a secularização — separação entre Direito e Moral — aconteceu ainda no século XVIII e que este país tornou-se laico com a primeira constituição republicana.
Mas os crucifixos continuam pendurados em todos os tribunais, ali colocados com tanta naturalidade como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Lula tem mostrado ser submisso à Igreja Católica, o que não se concebe para um presidente da República. Ao que parece, quis agradá-la mais uma vez. E de cara já agradou os partidos políticos conservadores. Todo mundo ficou empolgado com Direito na sabatina perante o Senado. Claro, o que menos os políticos querem é um ministro do Supremo modernoso. Fiquemos com os mais tradicionalistas possíveis.
Será que questões da maior relevância para a sociedade, como o uso de células-tronco e o abortamento em certas condições, passam a contar com um voto fundado na Bíblia? Note que não estou dizendo que ministro bom é aquele que vota de acordo com as opiniões pessoais deste arbitrário. Mas ministro bom é aquele que sabe que o Brasil é um Estado laico. E age de acordo com esse imperativo constitucional. Sem concessões inconfessáveis.

2 comentários:

Anônimo disse...

Yúdice, em tese, concordo com sua posição. Em tese.
Mas o fato é que, a par das posições pessoais do Ministro (cujas críticas que tu fazes endosso), é salutar para qualquer colegiado ser formado por gente com pensamento divergente - e, eu diria, quanto mais oposto, melhor.
Se temos em um extremo Eros Grau, teremos no outro Carlos Alberto Direito. A contraposição de pontos de vista tão diferentes talvez (veja bem: talvez) engrandeça os debates na corte. No mínimo, aqueles que chamamos de "retrógrados" não poderão reclamar de não ser ouvidos na discussão, já que terão tido um representante no fórum.
Além do mais, o futuro ministro tem formação técnica respeitável, com inúmeras obras publicadas. É um fator que não pode ser desprezado.
'Last, but not least', o ministro ainda nem assumiu o cargo. Vamos ter paciência e dar tempo ao tempo, para ver como ele vai se comportar quando vestir a "toga suprema".
Abraços e bom dia.

Yúdice Andrade disse...

Certamente, Francisco, meu texto pecou por deixar de reconhecer os méritos intelectuais do ministro. Não quis diminuí-los de modo algum. Minha única reserva é, de fato, o risco de um sectarismo que, a bem da verdade, nem sei se ele tem, mas é justamente esse aspecto que está sendo ressaltado. O parecer do Senado fazia menção expressa à "profunda religiosidade" de Direito. E daí? Desde quando é isso que deve ser avaliado.
Seja como for, ponderando as tuas razões sobre o que o STF pode ganhar com o embate de idéias conflitantes, tens toda razão. Grato por trazer mais lucidez ao tema.