sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Tão diferente

Os pragmáticos de plantão se recusam a enxergar a relação entre a criminalidade, o tratamento que recebem os delinquentes e as condições socioeconômicas. Desinformados e preguiçosos, irritam-se por entender que o crime se origina, apenas, na maldade humana. Gostaria de saber o que eles me diriam, agora, diante da demonstração escancarada de que, neste país, a justiça, que já ficou famosa pelos três "P" — só alcança pretos, pobres e putas —, varia ao sabor dos títulos, da cor da pele, dos sobrenomes, das funções públicas e, principalmente, das contas bancárias.
Um indivíduo que atende pelo nome de Thales Ferri Schoedl e se esconde atrás de um cargo de promotor de justiça, no Estado de São Paulo, responde desde 2004 a uma ação penal na qual está acusado de um homicídio consumado e outro, tentado. Notem bem: dois crimes violentos e sob motivo fútil (ele entendeu que as vítimas haviam mexido com sua namorada). Já não se explica por que diabos andava armado, sem mais nem menos. Afinal, se seu cargo lhe permite ter porte de arma, nem por isso deve, necessariamente, andar armado.
Para piorar, sua tese defensória é daquelas que agridem a inteligência de qualquer coisa além de uma ameba. Alegou legítima defesa pois, mesmo estando armado e já tendo disparado tiros para o chão, sentiu-se acuado pelos dois jovens. Só se as vítimas tivessem cinco metros de altura.
A Lei n. 8.625, de 1993 — Lei Orgânica do Ministério Público, assegura aos promotores de justiça a "vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo perder o cargo senão por sentença judicial transitada em julgado", em ação civil própria, dentre outros motivos, pela prática de crime com condenação transitada em julgado (art. 38, I, e § 1º, I). Mas o pedido de vitaliciamento pode ser impugnado e um motivo mais do que suficiente seria uma ação penal dessa magnitude. Ainda mais porque a mesma lei exige que o membro da instituição tem o dever de "manter ilibada conduta pública e particular" (art. 43, I). Sem isso, ele não se mostra capacitado para o exercício de um cargo que reclama respeitabilidade social.
Mesmo assim, o Órgão Especial do Colégio de Procuradores do Ministério Público paulista, reunido na tarde da última quarta-feira, decidiu que Schoedl merece ser vitaliciado e obter todas as prerrogativas do cargo. Ele ganha R$ 10,5 mil por mês. Tudo bem que foi uma votação apertada — 16 votos contra 15 —, mas um voto foi suficiente para demonstrar que a maioria do Parquet paulista acoberta o colega.
A decisão revoltou Deus e o mundo, inclusive o chefe da instituição, Rodrigo César Rebello Pinho, procurador geral de Justiça de São Paulo, que denunciou o meliante por homicídio qualificado. Indignado, ele avisou que pretende recorrer ao Conselho Nacional do Ministério Público para reverter a decisão de seus pares. Ele mostra dignidade com isso, mas revela também um câncer na instituição que chefia.
Aliás, na última noite, pichações no muro de uma casa próxima à do promotor revelam o pensamento do cidadão comum: "MP, a vergonha do Brasil", diz o manifestante. Essa é uma prova cabal de que esse crime enlameia toda a instituição. Mas ela não parece incomodada com isso.
Agora olhe na minha cara e me responda: se fosse um moreninho mal alfabetizado, seria do mesmo jeito?
Aceite a verdade. Ou cale-se.

6 comentários:

Anônimo disse...

Enquanto isso "ladrão de galinha" continua sendo tratado como escória e trancafiado numa penitenciária!!!

Pra acusar os outros é facil, mas olhar para si mesmo...

Anônimo disse...

Nada mais apropriado que ouvir : Haiti , do Gil e do Caetano.
Abs
Tadeu

Yúdice Andrade disse...

Ambos têm razão. Só posso concordar. Deu até vontade de escutar a canção.

Anônimo disse...

Depois da tempestade sempre vem a bonança e vice-versa.
Quase que o povo brasileiro acreditou na justiça brasileira após a aceitação da denuncia dos quarenta ladrões (muito embora ainda falte a punição para o Ali Ba-bá), e logo após temos um julgamento destes, para mim, no Brasil enquanto torna 40 em réus, absorve 1.000.000. Pegam alguns para pato, só para enganar o povo.

Yúdice Andrade disse...

É verdade, Ana Paula. Quem acompanha o noticiário diariamente sofre com as notícias. Se surge alguma que nos dá algum alento, logo é sucedida por uma enxurrada de negatividades. Quando não é o governo, aparece algum iluminado, como esse promotor de... De quê, mesmo?

Anônimo disse...

Eu não posso fazer nenhum juízo de valor sobre o caso até mesmo porque não o conheço por inteiro, mas somente o que a mídia fala, já que não li integralmente o que consta no processo.